O melhor do mundo são os velhinhos

O melhor do mundo são os velhinhos

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
“O melhor do Mundo são os velhinhos”
Em 1697, o afamado escritor e poeta Francês Charles Perrault publicou,
num volume intitulado “Histórias ou Contos do Tempo Passado com Moralidades”
(mas que ficou mais conhecido como “Contos da Mãe Gansa”), a popular fábula
da Capuchinho Vermelho. Remontando ao século X, esta conta-nos a história de
uma menina que vai, pelo meio da floresta, levar uma cesta com bolo e vinho à sua
avó, que vive sozinha e está muito doente. Apesar do que nos viria a ser mostrado
no filme de 2005 “A Verdadeira História do Capuchinho Vermelho”, em que a
Avózinha Creolina – brilhantemente dobrada pela Simone de Oliveira – era uma
durona, a verdade é que, na maior parte dos casos, os idosos que vivem sozinhos
e em situações de isolamento passam muitas dificuldades. Infelizmente, o
descarte e o abandono da 3ª idade acontecem com muita frequência no nosso
país, dito de brandos costumes e muito respeitinho, mas que se desliga de 25% da
população, a partir do momento em que esta deixa de “ser útil”.

Os dados dos últimos “Censos Sénior” da GNR, divulgados esta semana,
apontam para 43.074 idosos a viver nestas condições, estando mais de ¼ dos
casos concentrados nos dois distritos com maior número de ocorrências,
respectivamente a Guarda, com 5.852, e Vila Real, com 5.167. Pode parecer um
número residual, tendo em conta que representa apenas 1,7% do universo sénior
Português, mas não deixa de ser altamente preocupante, ainda mais tendo em
conta que a GNR faz questão de realçar que muitos destes idosos são
extremamente vulneráveis, demonstrando “fragilidades físicas, psicológicas ou
sociais que podem colocar em causa a sua segurança”. Só este ano, entre
Janeiro e Setembro, foram registadas 1.942 ocorrências de burlas, 4.964 furtos e
327 roubos à população idosa, o que representa mais uma das razões que leva a
GNR a apostar mais e mais neste tipo de iniciativas.

Para muitas destas pessoas –
porque sim, não nos esqueçamos que estamos a falar de pessoas reais – estes
militares são a única companhia, o único contacto humano que têm em semanas
ou meses. Para colocar as coisas ainda mais em perspectiva, vale a pena ir buscar
os dados da primeira edição desta iniciativa, de 2011, em que foram sinalizados
apenas 15.596 idosos a viver sozinhos ou isolados. Em 14 anos, o número de
ocorrências triplicou, e só desde o ano passado são mais 201 casos. Mas o que é
que explica este aumento exponencial das situações de abandono?
Uma das razões pode ser o envelhecimento demográfico acelerado.
Portugal é, neste momento, o segundo país mais envelhecido da União Europeia,
com uma idade média de 46,8 anos, ficando apenas atrás da Itália, com 48. Isto
leva, inevitavelmente, a que se verifique uma discrepância entre o número de
idosos a precisar de cuidados permanentes e as pessoas disponíveis para lhos
prestar.

Os últimos dados, referentes a 2024, apontam para um rácio de 39 idosos
por cada 100 pessoas em idade activa, havendo tendência para aumentar nos
próximos anos, projectando-se que, em 2100, este número deva estar algures entre
os 70 e os 86.

A desertificação do interior também é um factor determinante neste
fenómeno, havendo dados que mostram que, apesar de 80% do território nacional
ser rural, apenas 21% da população reside nele. Nos últimos 30 anos, estas zonas
perderam mais de 40% da população, existindo municípios com uma densidade
inferior a 10 habitantes por quilómetro quadrado, muito por causa deste êxodo em
larga escala, principalmente entre as camadas jovens, que procuram uma maior
qualidade de vida, mais oportunidades de emprego e melhores acessibilidades.
Por estas razões, uma grande parte dos habitantes destas regiões são idosos, que,
muitas vezes, nasceram e viveram toda a vida na mesma aldeia ou freguesia, têm
uma forte ligação emocional a esta, e têm medo que, ao ir para um centro urbano,
possam não se conseguir adaptar, perder a sua autonomia ou ficarem
dependentes de estranhos. O resultado disto são, muitas vezes, as tais situações
de solidão e isolamento.

Um terceiro motivo que pode justificar estes números é a progressiva
sobrecarga das classes trabalhadoras. Uma parte significativa dos idosos em
situações de dependência não está em lares ou centros-de-dia, está sim
dependente de cuidadores informais, normalmente filhos ou familiares próximos,
que lhes prestam os cuidados necessários.

O Instituto da Segurança Social
reconhece 14.941 cuidadores informais – apesar da Associação Nacional de
Cuidadores Informais falar em 827 mil -, com uma idade média de 58 anos, ou seja,
ainda em idade activa. Isto leva a que estas pessoas tenham de gerir o seu
emprego, a sua vida pessoal, muitas vezes a educação dos filhos, tudo isto para
além do cuidado permanente a estes idosos. Por isso, situações de sobrecarga
emocional, física e de saúde mental não são raras, com um estudo da European
Journal of Public Health a revelar que 54,3% dos cuidadores não se sentem
apoiados, e um outro da BMC Geriatrics a apontar que cuidar de alguém em casa
está fortemente associado a problemas mentais, havendo uma probabilidade
60,9% maior de estas pessoas terem “quatro ou mais sintomas depressivos” do
que não cuidadores. A mera perspectiva desta “perda de liberdade” faz com que
muitas pessoas escolham simplesmente não prestar quaisquer cuidados aos
idosos, potenciando situações de abandono puro e duro.

A solidão e o isolamento social têm consequências profundas para os
idosos, afetando a sua saúde física, mental e até a longevidade. Está documentada
a relação entre o isolamento e o aumento do risco de doenças do foro
cardiovascular, o enfraquecimento do sistema imunológico, o declínio funcional e
a perda de mobilidade. As consequências mentais são ainda mais violentas,
relatando-se que estes idosos têm baixa autoestima, uma sensação de abandono,
depressão e ansiedade (cerca de 40% dos idosos isolados relatam sintomas
depressivos), para além de terem uma propensão 2,5 vezes maior de desenvolver
doenças como o alzheimer ou a demência do que idosos socialmente activos.
Como se isto tudo não bastasse, ainda estão suscetíveis à perda de redes de apoio o que aumenta o risco de acidentes domésticos sem socorro, negligência médica
ou má nutrição – e à perda de participação social, o que reforça ainda mais o ciclo
do isolamento.

A questão que se impõe é “o que fazer?”: existem várias associações e
instituições que têm programas e promovem iniciativas com vista a combater a
solidão e o isolamento dos idosos, integrando-os em actividades sociais e
culturais, tão bem como apoio emocional, como é o caso da linha telefónica
SOSolidão (criada pela Fundação Bissaya Barreto), que “ajuda idosos em
situação de isolamento social ou geográfico, promovendo companhia e
partilha”.

Estes grupos contribuem positivamente junto da 3ª idade,
proporcionando-lhes companhia, segurança e, acima de tudo, um propósito. Eu
estou convencido que o suporte e o apoio aos idosos se deveria pautar por uma
ideia de gratidão e de retribuição. Os idosos de hoje foram ontem os alicerces da
nossa vida em sociedade; foram pais, avós, irmãos, amigos, colegas. Cuidar deles
no Outono da sua vida nada mais deveria ser do que um agradecimento pelo papel
que eles desempenharam na Primavera da nossa. Porque não nos devemos
esquecer de quem vão ser os idosos de amanhã.

Guilherme Gomes