Vou ali ver como é que é para depois contar como é que foi

Vou ali ver como é que é para depois contar como é que foi

A sabedoria mais essencial encontra-se, na maioria das vezes, nos meandros do nosso quotidiano. É ele o verdadeiro campo de atuação da mais alta sabedoria. Por vezes, encontramo-la entre a degustação de uma bela refeição e um ato de uma despedida, num café. Foi precisamente aí que ouvi uma frase, que me ficara na memória até hoje: “Vou ali ver como é que é para depois contar como é que foi”. Reparem que não era apenas uma promessa de um eventual encontro ou uma forma mais rebuscada de dizer “até logo”, mas um autêntico tratado da consciência humana.

Num primeiro momento, o “Vou ali ver” traduz a força motriz do ser humano — a curiosidade. O “ali” revela a fronteira do Ser, aquilo que ainda não foi significado pela linguagem. É, igualmente, o reconhecimento implícito de que só existimos em perpétuo movimento rumo ao desconhecido.

O “Como é que é” aponta para o momento da verdade. O momento em que o presente é desprovido da moldura da narrativa e que segue informe, numa avalanche de estímulos que nos abalroam; que nos surpreendem e que nos desarmam. É a consciência de que o presente é um fenómeno bruto, desarrumado e confuso.

Por fim, o âmago da existência humana: “para depois contar como é que foi”. Contar não é fazer um mero relato do que ocorreu; é também o ato de significar: de colocar sentido ao que se passou. O “foi” mata a desordem do “é”.

E é aqui que também procuro dar significado ao que se passou. Não vivemos a vida tal como ela é. Vivemos a vida através da sua tradução. A verdade é inexprimível. Ela existe, claro, mas não pode ser reduzida a palavras. Não conseguimos falar a verdade, porque as palavras são meras construções daquilo que presenciamos. A linguagem pode ser, sim, uma tentativa de nos aproximarmos da realidade e, simultaneamente, de “alcançar” a verdade. Mas nem é a realidade, nem é a verdade.

Somos contadores de histórias, forçados a impingir um sentido à nossa existência.

Tiago Delgado