
Atualmente, vivemos numa era em que ser mulher é algo que causa muitas discussões e controvérsias. E acrescentando ao “ser mulher” temos “o que é ser uma mulher feminina?”, “o que é a energia feminina?”, ou ainda “será que eu estou na minha energia feminina?”, porque simplesmente ser mulher não é ser mulher o suficiente.
De há uns tempos para cá, uma bomba cor-de-rosa brilhante explodiu e levou as mulheres da atualidade a uma viagem no tempo até onde ser apenas uma mãe, uma dona de casa, ou trad wife era a única opção.
Para irmos também nesta viagem, precisamos de uma breve aula de história. Pelos anos 20, durante o primeiro pós-guerra, as mulheres começaram a ganhar uma certa visibilidade no trabalho e na sociedade (porque sim, à exceção das mulheres ricas da alta sociedade, todas as outras trabalhavam), porém ainda estavam muito restringidas ao lar. Depois nos anos 30, com a Grande Depressão, reforçou-se ainda mais a ideia das mulheres atribuídas ao trabalho doméstico, onde a pouca visibilidade do trabalho alcançada recuou o pequeno passo dado. Durante a II Guerra Mundial, o trabalho da mulher fora de casa foi altamente necessário, já que os homens estavam a combater. Cartazes da União Soviética de mulheres de força e capazes foram feitos, (substituindo aqueles de mulheres de avental a servir os maridos e a limpar o lar), e cargos em quase todas as profissões tiveram mulheres. Eram enfermeiras, médicas, telegrafistas, construíam armamento em grandes fábricas, eram motoristas e até mesmo algumas chegaram a posições de combate.
Escusado será dizer, que quando a guerra acabou, queriam voltar a colocar as mulheres em casa, mas a experiência da independência deixou a marca, e o trabalho começou a ser visto como uma forma de emancipação e autonomia.
Voltando ao presente, eu questiono-me enquanto mulher, em como nós fomos de ver mulheres a fazer história, a lutar por direitos como a oportunidade de estudar, de votar, de divorciar, de ter posses, de sair sozinha, a querer recuar no tempo e ser reconhecida apenas como a sombra do marido, e onde as únicas ambições são “casar, ter uma aula de pilates às 10h e fazer um bolinho de sobremesa para o almoço” – já agora, eu não inventei isto, existem demasiados vídeos com estas mesmas palavras escritas. Além disso, também vi conteúdos em que as mulheres estão demasiado “masculinas”, simplesmente porque trabalham, ou usam calças largas, ou falam alto, ou estão solteiras.
O que nos volta à pergunta: o que é ser mulher? E eu nem vou abordar a questão do género biológico e se uma mulher trans é “feminina o suficiente ou não”, porque na realidade, com os padrões impostos acho que nenhuma mulher o consegue ser, nascendo assim ou não.
Vemos a “volta da energia feminina” com cabelos impecáveis, maquilhagem no ponto e salto alto em qualquer altura do dia, mas será a energia feminina apenas isso, aparência?
Desde sempre, mulheres de saltos ou botas desgastadas, com ou sem maquilhagem, mostraram que ser mulher e ter essa energia está em algo muito mais profundorelacionado com a decisão, a coragem, a sensibilidade, a capacidade de criar, unir e ir contra o sistema.
Como por exemplo, a Marie Curie, que mesmo tendo casado (e com um vestido simples que usava no laboratório para trabalhar), nunca se resumiu ao seu esposo, muito pelo contrário, ultrapassou tudo o que se esperava de uma mulher daquela época; a Malala Yousafzai, que quase foi morta por querer estudar, hoje é o maior nome na luta da educação para meninas que ainda não usufruem desse “privilégio”, mostrando que a energia feminina também se manifesta na coragem de quem acredita que aprender é, por si só, um ato de resistência, ea Coco Chanel, que cresceu em um orfanato, aprendeu a costurar e revolucionou a moda feminina, onde reduzindo o comprimento das peças e retirando os espartilhos apertados, tornou o vestuário prático, e mostrou que a beleza é sinónimo de liberdade. Mesmo no cinema e nos livros, as mulheres suadas, com as roupas rasgadas e com a cara suja de terra, ou as que seguram um livro sem medo de se rebaixar são as mais aclamadas e inspiradoras. A JoMarch, de Mulherzinhas, sonhava em ser escritora e recusava-se a casar por conveniência e a ter a sua voz apagada, mostrando que a sua energia feminina não estava relacionada em fazer o que lhe era dito, mas sim em escolher por si mesma, ou a Hermione Granger , da saga Harry Potter, sendo inteligente, leal e determinada, ensinou que o conhecimento é a maior forma de poder, e que a energia feminina abrange a lógica e razão e não apenas o lado sentimental.
A verdade é que a energia feminina não é apenas uma estética que está nas tendências. É a capacidade de força, de liderar com empatia e de equilibrar razão e emoção sem que uma anule a outra. É o que faz as mulheresconseguirem manter o mundo a funcionar mesmo quando ninguém repara. Reduzir essa força a gestos superficiais é apagar a enorme complexidade de ser uma mulher, apenas para agradar e caber no mundo masculino.
Nenhuma mulher é mais ou menos feminina por trabalhar ou estar em casa, estar em uma relação ou não, ter mais ambições ou menos, pois a energia feminina está na beleza de decidir o que se quer ser e de se fazer ouvir, indo contra todas as restrições.
Talvez esta volta de feminilidade calma e frágil mostre também o quanto as mulheres estão cansadas de correr para serem consideradas iguais, e para ainda abraçarem e cuidarem do seu lado diferente, mas é necessário não confundir delicadeza com submissão, nem criticar quem tanto lutou para sermos livres.
No fim, ser mulher pode ser não ser apenas seguir uma estética ou uma narrativa que sempre nos foi contada, mas não ter medo de ocupar espaço, passando por cima de qualquer limite. Talvez seja existir por um propósito escolhido pela mesma e ir atrás dos seus interesses, sejam eles quais forem, dos mais tradicionais aos mais ousados, sem dar ouvidos ao passado imposto.
Iara Pinto