Nos finais dos anos 70, a banda britânica vivia tempos complicados. Todos os membros da composição mais icónica de Fleetwood Mac passavam por momentos delicados nas suas vidas amorosas. O resultado foi o álbum Rumours, lançado a 4 de janeiro de 1977, que viria a tornar-se uma ode às tensões das relações interpessoais, ao rock alternativo e ao folk.
Para compreender melhor o disco, é necessária uma contextualização quanto ao estado das vidas de cada membro. Fleetwood Mac, em 1977, era composto por Mick Fleetwood, baterista; John McVie, baixista; Christine McVie, teclista e vocalista; Lindsey Buckingham, guitarrista e vocalista; e Stevie Nicks, vocalista. Na altura em que o disco estava a ser produzido, John McVie e Christine McVie ainda estavam a processar o seu divórcio; Lindsey Buckingham e Stevie Nicks acabavam o seu relacionamento de oito anos; e, além disso, Mick Fleetwood descobria que a sua mulher o traía com o seu melhor amigo, o que provocou uma relação extra-conjugal com Stevie Nicks.

Mick Fleetwood, Christine McVie e John Mc Vie
O caos na altura das gravações é descrito pelos membros da banda como traumático, num processo que, segundo os mesmos, envolveu muitas drogas, bebida e angústia. Toda a raiva, tensão e dor foram transportadas para o estúdio, onde, apesar do ambiente tóxico, foram produzidas grande parte das obras-primas da banda.

Rumours é um disco de 11 músicas, que abre com “Second Hand News”, um autêntico manual sobre “como abrir um álbum”. A música não engana o ouvinte e prepara-o para toda a experiência que vai enfrentar ao longo das restantes dez canções. Dá, inclusive, tempo para pensar, já que o solo de guitarra final termina num silêncio (de certa forma demorado), a anteceder “Dreams”.
“Dreams” é a segunda música de Rumours e um dos grandes destaques do álbum e da banda. Escrita por Stevie Nicks, a canção fala sobre o término da sua relação com Lindsey Buckingham. Curiosamente, a guitarra de Lindsey parece chorar enquanto acompanha a voz de Stevie, que vai dizendo coisas como “It’s only right that you should play the way you feel it, But listen carefully to the sound of your loneliness”. (É correto que continues a tocar como o sentes, Mas ouve cuidadosamente o som da tua solidão)
Depois do misto de emoções que acompanha “Dreams”, Fleetwood Mac apresenta uma vertente mais acústica e folk do álbum, com a música “Never Going Back Again”, a mais minimalista e simples do álbum.
A música “Don´t Stop” foi escrita por Christine McVie, sobre o seu divórcio com o baterista John McVie. Na canção, Christine aparenta ter chegado a um ponto de resolução, onde pensa apenas no dia de amanhã. Também aproveita para dizer que nunca foi sua intenção causar dor à outra pessoa e que apenas quer que John fique bem.
Depois vem “Go Your Own Way”, uma resposta praticamente direta a “Dreams”, por parte de Lindsey Buckingham. A quinta canção do álbum foi a primeira a ser publicada, como single, em janeiro de 1977. É uma música rock, bastante rítmica e com nuances clássicas dos 70´s. Lindsey Buckingham admitiu que uma das inspirações, em termos de ritmo, para a canção foi “Street Fighting Man”, dos The Rolling Stones. Em “Go Your Own Way”, o ouvinte é transportado para a perspetiva de Lindsey, quanto ao término com Stevie Nicks. Canta, com uma certa raiva associada, que a sua ex-companheira siga o seu próprio caminho, se é isso que tanto deseja.
“You can go your own way, go your own way.”
Depois da tempestade de “Go Your Own Way”, Christine McVie consegue domar a tempestade de Rumours, tornando-o sereno com “Songbird”. A balada retrata uma visão esperançosa de um futuro que, certamente, será melhor, sem choros e com um sol brilhante a acompanhá-lo. A voz de Christine ecoa, num espaço musical e físico (já que a música foi gravada no palco do Berkeley Community Theater), acompanhada do seu aclamado piano, como se fossem um só.
A sétima música do álbum é “The Chain”, presença indiscutível nas listas de melhores músicas de Fleetwood Mac. A corrente, numa tradução literal, representa todas as tensões da banda britânica, em especial a de Lindsey Buckingham e Stevie Nicks, que desconstroem e amontoam a sua raiva ao longo da canção. “The Chain” parece um grito de angústia intemporal, ao mesmo tempo que celebra a ligação infinita entre os membros da banda, apesar dos seus desacatos e problemas. Curiosamente, todos os membros da banda estão creditados como escritores da canção, o que evidencia ainda mais a tal “corrente”.
“And if you don’t love me now
You will never love me again
I can still hear you sayin’
You would never break the chain“
“You Make Loving Fun” sucede a corrente de Fleetwood Mac. A música é outra composição de Christine McVie, mas, desta vez, desapegada da balada que é “Songbird”. A oitava música do álbum é, provavelmente, aquela que transmite melhores energias e à qual o corpo só corresponde dançando. Ainda assim, para John McVie, o sentimento devia ser completamente diferente, já que “You Make Loving Fun” é uma canção de Christine sobre o seu relacionamento com Curry Grant, diretor de iluminação da banda, depois da sua separação com o baixista de Fleetwood Mac.
“I Don´t Want to Know” segue, em termos de ritmo, as indicações de “You Make Loving Fun”. A canção foi composta por Lindsey Buckingham e Stevie Nicks, quando atuavam apenas os dois, antes de se juntarem a Fleetwood Mac. “I Don´t Want to Know” entrou no disco para substituir “Silver Springs”(também composta por Stevie Nicks e cuja história merecia um artigo próprio), devido a limitações de tempo para a versão em vinil. A troca causou uma reação negativa por parte de Stevie Nicks, já que a canção “I Don´t Want to Know” foi finalizada e colocada no álbum sem o seu voto.
Christine McVie fez, em “Oh Daddy”, uma das canções mais tristes do álbum. A qualidade como compositora da teclista e vocalista de Fleetwood Mac preenche o álbum em maneiras que, devido aos restantes hits, são pouco faladas. “Oh Daddy” aborda um amor indesejado, acompanhado de uma linha de baixo memorável, um berço feito com a guitarra e o piano, sonorizados com o toque habitual de Fleetwood Mac e os fantásticos sintetizadores decorados por Christine McVie.
“Gold Dust Woman” é a canção final do trabalho e a explicação perfeita para o processo de gravação de Rumours. A música, escrita por Stevie Nicks, aborda um amor devastador, por ter sido perdido, e, ao mesmo tempo, o lidar com o excesso de drogas – matérias que definem a criação de Rumours. À semelhança de todo o álbum, é instrumentalizado na perfeição. Falar de boas instrumentalizações e de Fleetwood Mac acaba por soar sempre redundante.
Os rumores acabam por ser verdade: Rumours não nos sai da cabeça, mesmo depois de 48 anos. Vivemos numa era em que apelidar algo de intemporal torna-se fácil, (h)ora para o bem, (h)ora para o mal. Aqui vamos ser mais audaciosos. Rumours não é intemporal, por saber envelhecer, é basilar. É o grande ato de uma banda que apenas não foi mais porque músicos também são pessoas. Rumours materializa o erro do Homem e ensina que a música se constrói na tensão, que é tão bem desenhada no melhor álbum de folk rock da história.
Deixar, ainda, um parágrafo para enaltecer a incrível artista que foi Christine McVie, o único membro desta composição que, infelizmente, já partiu, em novembro de 2022. A arte de McVie, tanto a nível de teclista como liricista, é – sim! – intemporal, mesmo quando, em 1977, esta estava à frente do seu tempo.
Fleetwood Mac vive, pois há bases em todos os rumores.
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