Nosferatu, a sinfonia do horror

Nosferatu, a sinfonia do horror

Presos na perpetuidade do ordinário, o dia mais aguardado por muitos ecoa como uma melodia aterrorizante e sombria. O dia em que a fugacidade da anormalidade evoca para a estranheza e o macabro, o amor pelo desconhecido e o conforto no horror. Um dia com a mesma duração dos demais, mas que para os amantes do horrendo, se perpetua e se torna na normalidade do absurdo. O Halloween é esse dia, o dia do mistério e das sombras. E a acompanhar vêm máscaras, abóboras, velas, doces, sangue e muitos filmes que nos deixam pensativos no silêncio avassalador das madrugadas. Num dia em que o estranho é a nova forma, surge Nosferatu, que através de um véu translucido, revela um mundo oculto de sombras e terror.

   Nosferatu, lançado em 1922, é um marco na história do cinema expressionista alemão, uma referência para a subcultura gótica e um dos primeiros e mais carismáticos filmes de terror a serem produzidos. Apesar de ter sido adaptado, sem permissão do livro Drácula da autoria de Bram Stoker, para as grandes telas do cinema. Serviu e serve como referência para muitas outras produções, filmes e livros criados posteriormente. O misticismo envolvente deste filme mudo é atemporal e prudente no que toca ao poder obscuro da imaginação e crueldade humana.

Com a sua maquilhagem grutesca, que nos remete para algo possível apenas num mundo onírico, as suas longas unhas, dentes afiados como agulhas, esguio, alto e com olhos penetrantes que nos perseguem e encurralam sem nos movermos. É assim que o Conde Orlok é-nos revelado, uma transfiguração do mal, que representa o mórbido abismo humano que dá lugar à mitologia do vampiro.

O filme apresenta Thomas Hutter, um agente imobiliário que viaja até aos montes Cárpatos, contrariando a vontade da sua amada Ellen, com o objetivo de conhecer um possível cliente, Conde Orlok. Todos os moradores locais parecem possuir um medo avassalador e irracional quando ouvem o seu nome. No decorrer da missão Hutter foi, diversas vezes, desencorajado a continuar, mas apesar de ver o medo estampado na cara de todos, decide prosseguir. Quando chega ao castelo, levado por uma estranha carruagem por entre uma floresta escura e sinistra, encontra Nosferatu que o recebe. Embora possua uma aparência assustadora, manifesta uma estranha cordialidade e amabilidade para com Hutter, durante o tempo em que está hospedado no seu castelo. A escuridão da noite dá lugar à claridade do dia e Hutter apercebesse que duas pequenas mordidas no pescoço apareceram, as quais ele atribui a culpa aos mosquitos. Quando a noite invade novamente o Castelo, Hutter encontrasse uma vez mais com Orlok e enquanto lhe apresenta toda a burocracia para oficializar a compra do imóvel, na mesma cidade em que Hutter e a sua esposa moram, deixa cair um pequeno retrato de Ellen na mesa. O conde fica profundamente hipnotizado pela sua beleza, como se acabasse de cair num feitiço amoroso e imediatamente assina a escritura para comprar a casa. Pouco a pouco Hutter é inundado por uma sede de curiosidade acerca de Orlok e da nuvem de mistério que ele carrega. Decide, portanto, investigar os abismos que aquele velho e decadente castelo guarda. Apavorado com a realidade que presencia, quando sabe verdadeiramente quem é o Conde Orlok e se apercebe que as súbitas marcas que lhe apareceram no pescoço não foram causadas por mosquitos, mas sim por aquela estranha criatura, Nosferatu. Hutter decide fugir do castelo o mais rapidamente possível, em meio de uma frenética crise de pavor acaba por cair e é levado, inconscientemente, pelos moradores locais até ao hospital.

Paralelamente, o Conde Orlok escondido num caixão, é transportado num navio acompanhado de tripulante para Wisborg, a cidade de Hutter e Ellen e na qual acabara de comprar uma casa. Curiosos, os tripulantes abrem os caixões e são surpreendidos com terra e ratos no seu interior. Pouco a pouco a tripulação morre ao contrair a peste trazida pelos roedores e quando finalmente chegam ao seu destino, um cenário tenebroso constata-se, a embarcação estava repleta de corpos mortos e decompostos.

Rapidamente, a cidade foi assolada por uma maré negra de azar e doença, a população morria, o pânico instalava-se e as esperanças eram inexistentes. Ellen parecia vivenciar tudo isto a um nível mais profundo e doloroso, como se telepaticamente possuísse a capacidade de sentir, não só os horrores que Hutter estava a passar, mas de todas as pessoas na cidade.  Ellen, desde o início, demonstra ter maus presságios sobre a viagem do marido, durante todo o filme a personagem sofre com frequentes crises de alucinações, sonambulismo e pensamentos inoportunos. O autor coloca a figura feminina como a mais sensível e propensa às influências de Orlok.  

Nosferatu instalasse na sua nova casa, com vista para o quarto do casal, espia a Ellen e deseja inundar-se no seu sangue quente e pulsante. Esta por sua vez recebe novamente Hutter que, embora fraco, conseguiu chegar à sua terra natal e aos braços da sua amada. Ellen consciente de que, apenas ela, podia travar Orlok ao oferecer-lhe o seu próprio sangue até ao sol se pôr assume, ainda que temerosa, a responsabilidade de o fazer.

A escuridão cai sobre a cidade e com ela o desejo insaciável de Nosferatu, quando finalmente consegue entrar no quarto de Ellen, apodera-se do seu sangue por horas e horas. Sem se aperceber do nascer do sol é surpreendido pelo cantar do galo e ao tentar fugir é agonizado pela luz e desfaz-se em cinzas negras. Hutter encontra Ellen e num último suspiro, esta acaba por morrer no lugar onde mais gostava de estar, nos braços do seu amado marido.

   Apesar do final trágico, Nosferatu é mais do que uma adaptação, é a representação cinematográfica dos sentimentos ocultos da alma humana. O amor, o desespero, o terror e o fascínio pelo sombrio através de interpretações, cenários e uma atmosfera densa e gótica. O dualismo entre o fúnebre êxtase humano e a moralidade social. Em meio à escuridão do Halloween, Nosferatu emerge como um ícone atemporal, a sua figura carismática transcende as telas do cinema e continua a ecoar nos receios e desejos mais profundos e estranhos. O dia 31 não é só mais um dia, mas sim a celebração do bizarro e do sobrenatural, que nos permite conectar com a parte mais obscura de nós mesmos, a exploração dos limites da nossa imaginação e a importância do terro como forma de arte e expressão. E é por isso, que Nosferatu é uma recomendação imprescindível para o dia mais aguardado do ano por muitos.

No final a pergunta que permanece é: será que o gosto pelo horror é apenas uma máscara que usamos para enfrentar as nossas próprias sombras, ou será que ele revela-nos a maior e mais profunda verdade sobre a natureza humana sem nos apercebermos? 

Texto: Diana Silva

Imagem: Tiago Santos