Sabia-se que a chave estaria na paciência, talvez a palavra mais dita ao longo da semana pelos jogadores e por Roberto Martínez. O que não se sabia era que a recompensa por essa paciência chegaria tão, mas tão tarde.
Apesar da superioridade em campo, a agressividade exibida pelos eslovenos complicou e muito a estratégia da seleção nacional, que só no último suspiro pôde sorrir. Foi nas grandes penalidades, mas foi tudo porque Diogo Costa fez o impensável e defendeu os três remates da seleção eslovena.
Uma exibição apoteótica que nos faz recuar 18 anos, quando Ricardo salvou Portugal frente à Inglaterra, ao defender sem luvas as grandes penalidades dos ingleses. Desta vez não foi necessária tamanha ousadia para sorrir no fim e voltar a colocar Portugal no caminho da França.
Ora, no “flashback” à fase de grupos, não era difícil descobrir o que melhor tinha corrido. A vitória contra a Turquia mostrava uma fórmula a pedir repetição e Roberto Martínez não descurou: recuperou exatamente o mesmo onze do segundo jogo, com muitos jogadores a terem mais de uma semana de descanso – só Diogo Costa, João Palhinha e Cristiano Ronaldo repetiram lugar no onze em relação ao jogo contra a Geórgia.
A melhor linha inicial pede o melhor desempenho. Em parte, resultou. Portugal foi bastante agressivo nos momentos sem bola, com o melhor Palhinha deste Europeu, e conseguiu criar vários lances de perigo, maioritariamente para o inevitável Cristiano. O grande senão foi a seca do capitão, demasiado visível nos seus atos. À medida que desperdiçava bolas, ora por não acertar no alvo, ora por não acertar na bola, ou por estorvo dos adversários, o 7 luso deu claros sinais de falta de lucidez, espelhados num livre lateral que pedia um cruzamento e que o próprio quis ir bater direto. Para fora, pois claro.
Apesar de a teoria indiciar um 4-3-3, Portugal arrumou-se quase sempre em 3-4-3, com Nuno Mendes muito mais prudente nas subidas (e soberbo nas ações defensivas) e a jogar na linha de Rúben Dias, com Pepe um pouco mais atrás. Pela direita, Bernardo e Cancelo entenderam-se bem, embora menos solicitados do que Rafael Leão. E bem, porque o jogador do Milan também subiu bastante a sua produção e foi o agitador que não conseguira ser no arranque da competição.
Portugal sabia que marcar cedo representaria o toque de midas para obrigar a Eslovénia a desmontar-se defensivamente, quase sempre com uma linha de cinco, às vezes de seis defesas, no momento defensivo – um cenário constante. Sabendo-o, Bernardo Silva não quis perder tempo e com um cruzamento apetitoso encontrou Bruno Fernandes que, já em esforço, não conseguiu desviar para a baliza de Oblak.
Além disso, houve dois livres de Cristiano, um desvio falhado de cabeça, um Bruno Fernandes a chegar tarde, um remate de Palhinha ao poste e um bloqueio a um lance muito bom a Cancelo a abrir a segunda parte. A produção ofensiva de uma hora de jogo teria sido suficiente para a vantagem.
Não foi e o receio de prolongamento (ou pior) começou a sentir-se. A equipa teve menos Leão (quebrou até sair), teve muito pouco Bruno Fernandes e deixou de ter um bom Vitinha por opção técnica. Diogo Jota e Francisco Conceição foram a jogo, mas só Cancelo esteve em crescendo na segunda parte, mas os cruzamentos do jogador do Barcelona tenderam a encontrar adversários pelo caminho.
Do outro lado, Sesko voltou a assustar, ganhando compreensivelmente em velocidade a um solitário Pepe, mas o mais veterano de sempre a jogar num Europeu ainda teve a capacidade de atrapalhar o avançado esloveno. Não houve muito mais do ataque da equipa balcânica, com as tentativas de transição a serem, quase sempre, bem resolvidas por Portugal.
Mas a vontade eslovena era clara: somar o quarto empate neste Europeu e tentar arrastar o 0-0 o maior tempo possível, para que depois emergisse Oblak nos penáltis.
Mais 30 minutos significavam, em termos imediatos, mais margem para tentar resolver o jogo. Em 4-4-2, com Bernardo mais próximo da frente, Conceição à direita e Jota à esquerda, Portugal voltou a ser melhor e mais capaz de chegar à frente.
No prolongamento, ficou evidente a inexistência do meio-campo de Portugal, com posse, mas sem grandes soluções. O penálti cometido sobre Diogo Jota, entrando sozinho pela área dentro, era, por isso, uma oportunidade de ouro. Cristiano Ronaldo, atipicamente, falhou. Jan Oblak, mais uma vez, mostrou que é um gigante guarda-redes e Ronaldo, pouco habituado e não se encontrar com os 11 metros, chorou. A equipa amparou o capitão no intervalo.
Já na segunda parte do prolongamento, Palhinha obrigaria o guardião do Atlético Madrid a defesa atenta mas o jogo agora já não tinha fio, de parte a parte, já era uma tentativa desesperada de evitar o cadafalso. E foi nesta espécie de rame-rame ao contrário que Pepe deixou Sesko fugir em direção à baliza, com a oportunidade de marcar um penálti, mas em movimento, e apareceu então Diogo Costa para o salvamento. Do lado de cá, também há um guarda-redes excecional.
E a verdade é uma: ao chegar a altura das grandes penalidades, a angústia lusa, intervalada com um público fervoroso, contrastava com o êxtase esloveno, de quem poderia escrever a mais bonita página da sua história.
Cristiano Ronaldo enxugou as lágrimas e marcou, Bruno Fernandes e Bernardo Silva acompanharam-no. E, do outro lado, sem espinhas, Diogo Costa fez a sua tarefa na perfeição, com três soberbas defesas que carimbaram o passaporte para Hamburgo. As lágrimas foram, então, de alegria.
Por isso mesmo, cada defesa de Diogo Costa nos penáltis contra a Eslovénia foi como atirar um jarro de água benta a cada pecado cometido por Portugal neste jogo dos oitavos de final do Euro 2024. Uma, duas, três vezes, três vezes se lançou e três vezes impediu a bola de entrar na baliza, dando à seleção nacional mais uma oportunidade, depois de um jogo em que aconteceu um pouco de tudo, muito por culpa própria e autoinfligida. Houve equívocos, grandes equívocos, houve drama. E houve, no fim, um guarda-redes que se afastou de tudo isto para salvar uma equipa, depois de um nulo que durou 120 minutos.
Quanto à Eslovénia, importa dizê-lo, sai do Euro 2024 sem nunca ter perdido no tempo regulamentar. Quatro jogos, quatro empates. E uma réplica extraordinária: pela entrega, pela forma como soube sofrer, pelo heroísmo demonstrado ao longo de toda a partida. Despede-se de cabeça levantada e, quanto a Portugal, segue-se a França, que dispensa apresentações. Não é, Éder?