Com uma equipa alternativa, Portugal perdeu por 2-0 frente à Geórgia, que assim se qualificou como um dos melhores terceiros para a próxima fase. Um misto de erros individuais e falta de soluções não permitiu uma fase de grupos perfeita à seleção nacional, e os efeitos de uma derrota são sempre imprevisíveis. Segue-se a Eslovénia nos oitavos-de-final.
Clima de festa em Gelsenkirchen. Ao contrário do que tem sido habitual, Portugal chegava à terceira jornada da fase de grupos com a calculadora no bolso e um ambiente de confiança pouco habitual entre as hostes lusas.
Como descaracterizar uma equipa: um guião em dois atos, com direção de Roberto Martínez e interpretação dos homens em campo. Mudar o sistema tático em plena competição. O selecionador nacional foi com a “fórmula B” para a última jornada da fase de grupos, escudado na certeza do primeiro lugar e consequente qualificação. Não foi, por certo, uma estreia a opção pelo 3-4-3, mas há provas concretas da maior falibilidade do mesmo.
E se esta variante expõe mais a equipa no momento da transição defensiva, o problema agudiza-se quando se introduz uma segunda variabilidade: a troca de oito jogadores no onze inicial. Não são estranhos entre si, mas faltaram rotinas e química entre os mesmos.
A começar pelo miolo, a casa das máquinas. Com João Palhinha e João Neves entregues aos comandos, Portugal dispôs de dois solistas talentosos à sua maneira, mas nunca teve um par sincronizado, pois são dois jogadores que precisam de alguém mais criativo ao seu lado. E sem harmonia nesse campo, tudo fica mais sôfrego, para a frente e para trás.
O problema coletivo foi uma evidência na noite de Gelsenkirchen, mas foi pelas falhas coletivas que o resultado se fez. E aí, António Silva entra como vilão nesta peça dramática para as cores lusitanas.
Isto porque um erro individual do central benfiquista, num atraso mal medido, deu à Geórgia aquilo que tanto gosta: uma transição rápida. Georges Mikautadze viu a cavalgada de Khvicha Kvaratskhelia que, decidido, avançou até à baliza de Diogo Costa, para marcar pela primeira vez neste Europeu, o golo que tantos compatriotas lhe pediam.
Ainda nem dois minutos havia no relógio e a Geórgia, ainda com a esperança da qualificação, agarrou-se ao seu conservadorismo recém-adquirido. Não foi estranho ver duas linhas bem definidas e juntas a tapar os caminhos da baliza de Mamardashvili. Portugal via-se obrigado a inventar espaços, o que quase nunca aconteceu.
Com Ronaldo bem rodeado, Portugal foi tentando de longe, primeiro num potente livre do capitão, a uns bons 30 metros, que o guarda-redes da Geórgia afastou bem. Francisco Conceição não esteve longe num remate ao segundo poste na sequência de um canto e João Félix, o melhor de Portugal na primeira parte, também cheirou o golo, após um lance de boa reação à perda da seleção nacional, aspeto em que sempre esteve bem – acabou a primeira parte com 70% de posse de bola -, apesar de alguns apuros na área de Diogo Costa nas poucas vezes que a Geórgia lá chegou.
Taticamente, pouco se podia destacar de Portugal. Os passes falhados, mesmo sem qualquer pressão, eram o espelho de uma equipa desconcentrada, desligada do jogo. Emocionalmente a equipa também não estava bem. Cristiano Ronaldo, que se fartou de esbracejar, a pedir todas as bolas, viu amarelo por protesto, num lance onde pedia penálti. Já Pedro Neto viu amarelo por simulação.
A primeira jogada em que Portugal conseguiu quebrar as linhas do estreante neste Euro apareceu já bem para lá da meia-hora, numa combinação interior entre Pedro Neto, João Palhinha e Cristiano Ronaldo, com o remate do avançado a ser prensado por um defesa rival. Alguns dos problemas vistos no primeiro jogo, com a Chéquia, voltavam a assombrar a equipa de Roberto Martínez. E a Geórgia era empurrada também pelos seus ruidosos adeptos.
Já com Rúben Neves na equipa – entrou para o lugar de Palhinha, tal como no jogo com a Turquia -, Portugal veio do intervalo assediando a área da Geórgia numa sequência de cantos. Mas começaria, então, uma sequência de erros que fez tremer a seleção nacional. Primeiro foi Gonçalo Inácio, a perder na velocidade e quase a dar a Kvaratskhelia a oportunidade do bis. E de seguida António Silva tocou em Lochoshvili na área, com o VAR a intervir: penálti e golo de Mikautadze, apesar de Diogo Costa ainda ter adivinhado o lado.
O jogo pedia mudanças, o Geórgia crescia, mas Martínez não as fez até aos 65’, tirando Cristiano Ronaldo, muito longe das exibições dos primeiros dois jogos, e António Silva, intimamente ligado aos dois golos da Geórgia. Entraram Gonçalo Ramos e Nelson Semedo. Sem resultados imediatos.
Portugal desfazia o 3-4-3 (na verdade, António Silva, Gonçalo Inácio e Danilo formavam o trio de centrais, Diogo Dalot e Pedro Neto eram os alas, no apoio a Ronaldo, João Félix e Francisco Conceição), passava para o 4-3-3, na tentava de resgatar algo do jogo, nem que fosse apenas o orgulho de lutar por algo diferente.
Seguiram-se Diogo Jota e Matheus Nunes para a vez de Neto e João Neves. Roberto Martínez, claramente, preferia a rotação ao resultado, veremos com que consequências: na mesma situação, no Euro 2008, Portugal caiu logo de seguida frente à Alemanha; no último Mundial, depois da derrota com a Coreia do Sul, seguiu-se uma vitória gorda nos “oitavos” de final às custas da Suíça, seguida de uma derrota surpreendente diante de Marrocos, nos “quartos”.
Até final o jogo partiu, Nelson Semedo e Diogo Jota ainda estiveram perto e tudo o resto Mamardashvili salvou – é uma das figuras deste Europeu. É certo que Portugal ofereceu à Geórgia um dos dias mais felizes e importantes nos pouco mais de 30 anos de história deste país, mas o guardião do Valencia foi, na fase de grupos, uma espécie de milagreiro.
A derrota significa também que o adversário para os oitavos de final será a Eslovénia, com quem Portugal já perdeu este ano. Uma equipa organizada, que trará à seleção nacional precisamente o tipo de problemas que teve dificuldade em resolver neste Europeu.
Já a Geórgia, que faz história ao estar nos oitavos de final de um Europeu logo na sua estreia, medirá forças com a Espanha.
Homem do jogo – Khvicha Kvaratskhelia
Ainda não tinha estado ao seu melhor nível neste Campeonato da Europa, mas hoje mostrou o porquê de ter sido o jogador mais valioso em campo em termos de valor de mercado, de acordo com o portal Transfermarkt. Marcou um golo e além da já conhecida enorme velocidade, capacidade de drible e de romper linhas, conseguiu segurar a bola muito bem em momentos cruciais do jogo.
Texto: Raúl Saraiva
Imagens: UEFA