Habitar o passado

Habitar o passado

Escrevo vezes sem conta sobre aquele verão, porque não o posso esquecer. O verão que, quando este começar, vai definitivamente tornar-se passado. O verão que não quero que se torne passado. O verão que devia ser memorizado, cantado, emplastificado, gritado, exaltado… eternizado. Mas dificilmente vai voltar, mesmo que eu ainda habite nele.

Se aquele verão tivesse sido uma vida inteira, bastar-me-ia. Um madrugar pouco comum; a exigência em sair de casa quando a brisa ainda era tão ríspida e o balançar das árvores fazia com que o ainda envergonhado sol ora me tocasse e acomodasse ora me arrefecesse e fizesse encolher; os pássaros que conseguia facilmente ver, mas ainda não identificar, se não tivesse pressa em dar o próximo passo; o amontoar das caixas verdes preenchidas por um vermelho determinado e incomparável; o sorriso dado pelo encontro recorrente do sol e da lua; a preferência por não participar nas conversas e risadas mas a consistente atenção a elas; a ânsia pela “hora da bolacha” a que o corpo rapidamente se habitua; as tão aguardadas 12h dadas pelo relógio da aldeia que me diziam que era hora de rondar a horta para decidir o que ia ser o almoço; as tardes passadas à volta da cozinha e as inesperadas saídas de casa para ir buscar flores ou amoras para decorar o que quer que tivesse acabado de fazer; o fim de tarde já passível de alguma sombra a colocar as estacas para as plantas crescerem, a arrancar as ervas não desejadas e a arte de regar o quintal, e as consequentes mãos e unhas sujas de terra; os jantares (já tardios e, por isso, necessários da companhia de uma lanterna) surpresa no terraço, como forma de agradecer aos meus pais, sempre com uma focaccia de sabores diferentes; o passeio de barriga cheia dado à noite pela aldeia, às vezes já com o pijama, com a minha irmã e o meu cão e muitos cruzares com emigrantes; e, enfim, alguns minutos de yoga que me transportavam para uma linha de cor azul que entretanto deixei de ver.

Queria que o verão passado voltasse, ou que eu o pudesse ir visitar. Não me importava de perder dias do “agora” para lá ir… Quem diria, um ser tão inconstante como eu com estes quereres ainda tão acesos. Fiquei tanto a desejá-lo que entretanto murchei, e quem é que quer ter flores murchas em casa?

Pelo menos foi na primavera que dei por ela.

Diana Batista