Demanda

Demanda

Enquanto estudante de um certo mestrado, chegou a altura de provar o meu valor de futuro mestre e proceder à criação de dissertação tal cujo tema primordial o mundo – em toda a sua glória e vergonha – nunca terá porventura prostrado sobre e posto os olhos em. Embora o valor do avanço do conhecimento humano seja reconhecidamente elevado desde tempos imemoráveis e seja – por si só, de natureza – uma demanda louvável, frutífera, exaustiva e – em tempos (mais) – mortífera, eu juro que não fui feito para esta merda e estou só cansado.

Por entre dias em que me recuso a abrir os e-mails dos orientadores por saber que aí vem um dilúvio emocional e físico do qual não me encontro minimamente no sítio mental para lidar com, as peripécias da minha vida levaram-me a centenas de quilómetros – literal e metaforicamente – da UTAD para atividades recreativas de consumo imediato. Estas atividades – comummente designadas de “apanhar a puta”, “passear”, “visitar amigos” e não só – têm a infeliz consequência, entre várias outras, de adiar o que precisa de ser feito: o filho da puta do mestrado. Efetivamente, escrevo (escrevi) este texto meros dez minutos após abrir os e-mails em questão e começar a tratar do meu projeto de dissertação – que, por sinal, deveria ter sido submetido para aprovação faz dois meses; la vita è bella.

Eis, então, que surge em mim um pensamento que de novo nada tem: “Que caralho estou eu aqui a fazer?” A resposta simples, direta e concisa seria “O mestrado”; porém, contudo e no entanto, tal resposta falha em captar o verdadeiro cerne da questão: não o “eu” enquanto estudante mas o “eu” enquanto ser humano. Verdade seja dita, 2023 tem sido um brilhante ano para me sentir ainda pior com o rumo da minha vida e das minhas relações que anos prévios – um feito que eu julgaria impossível no início deste ano.

Nas palavras do nosso mítico Variações, Porque eu só estou bem/Aonde eu não estou (Estou Além, 1983) e ainda É p’ra amanhã, deixa lá não faças hoje/Porque amanhã tudo se há-de arranjar (É P´ra Amanhã, 1982). O importante a notar é que este ciclo de “Será que é isto?” não deve ser entendido como o fim do mundo – pelo menos não mais que como um fim do mundo – e não há garantias que me sentiria melhor por estar noutro lado ao invés de aqui. Não obstante, se a vida fosse feita de garantias ainda não tínhamos descoberto o fogo, a roda ou até mesmo a profissão mais velha do mundo. Necessito, primariamente, de uma mudança de ares – creio. Sinto que a minha recente facilidade em viajar se prende à volta desta questão, mas talvez seja a ausência de um trabalho diário (não estou a estagiar) – mesmo que a ideia de um part-time simultâneo ao mestrado não me atraia e, tecnicamente, eu já tenha trabalho.

Admito a minha terrível apatia excessiva em fazer algo, embora não sejam poucas as pessoas que me dizem que já faço muito – algo em que não consigo acreditar. Acredito, pois, que o que mais me falta seja mesmo a vontade – sequê a coragem – em fazer; para todos os efeitos, sempre fui muito lento e fraco em comprometer-me nalgo. É neste último ponto que surge o nascer deste texto, pois a pessoa que me incentivava a participar e a fazer – a quem eu olhava (e ainda olho) com admiração e inveja de “quem me dera ser assim” – deixou de tomar parte ativa na minha vida; la vita è bella.

Corro – melhor dito, rastejo –, então, para voltar a encaminhar a minha vida para um lugar de estabilidade. Fazer o mestrado, participar n’O Torgador e no NECC e ir ao ginásio (ya) são as prioridades a ter em consideração, visto que deixei duas essencialmente de parte e só não deixei a outra precisamente por ter pessoas a depender. Efetivamente, a minha demanda deveria ser cuidar melhor de mim. O quanto eu gostaria de mostrar às pessoas o quão bem elas sabem cuidar de si mesmas, certamente similar a como algumas pessoas gostariam de fazer comigo – mesmo que seja incapaz de concordar com elas, certamente similar às pessoas a quem eu gostaria de mostrar. O problema é que cuidar do próprio implica desconforto e risco, algo que me falha por apatia e desapego.

A demanda é sair da cama.

Joaquim Duarte