Todos os anos, a quadra natalícia constitui uma forma de reunião e celebração em família ou em conjunto com outro círculo social, permitindo a criação de memórias e boa disposição (Neves, 2022; Schneider et al., 2022).
Contudo, a imagem de felicidade e harmonia, replicada pelos meios de comunicação social, nem sempre é a mais fidedigna, dado que o Natal também engloba conflitos interpessoais, desilusões e lugares vazios à mesa, seja pela perda de pessoas significativas, ou pela distância (Neves, 2022; Schneider et al., 2022; Simões, 2022).
Em adição à tristeza, stress e ansiedade associadas às razões mencionadas, este período pode trazer sentimentos de solidão, a todes aquelus que não possuem uma rede de suporte apropriada (Schneider et al., 2022; Simões, 2022). No seguimento deste tema, um estudo recente, publicado pela Comissão Europeia demonstrou que, em 2020, 21,9% des portugueses admitiram sentir-se sozinhes, colocando Portugal, como o sexto país da União Europeia, onde o sentimento de solidão mais aumentou (European Comission Joint Research Center, 2022, as cited in Público, 2022).
Porém, não é só em Portugal que a solidão tem vindo a assoberbar a vida das pessoas, como é possível observar em estatísticas apresentadas por Castillo (2023): 23% das pessoas afirmaram sentir-se sozinhas nas duas semanas anteriores ao Natal, com níveis mais elevados na camada jovem, desempregades, estudantes, cuidadories solteires e pessoas com condições mentais pré-existentes; 1 em 5 australianes e, 1 em 3 adultes no Reino Unido, sentem mais solidão durante o período natalício; e, nos Estados Unidos, 43% des adultes mais velhes reportam a mesma informação.
E quando a solidão preenche um lugar que devia estar ocupado por alguém? A verdade é que a magia do natal não atinge todes (NiT, 2022). Muitas vezes, o natal, tipicamente associado a um momento de festa, alegria e reencontros, é tingido pela saudade, tristeza e desassossego, provocados por uma simples cadeira vazia à mesa (NiT, 2022). Com grande impacto e de importante significado, esta cadeira vazia simboliza a ausência e a saudade (Gonçalves, 2022). Ausência e saudade de quem já partiu, ou de quem, por questões geográficas, não pode estar presente (Gonçalves, 2022). Desta forma, a simples cadeira, torna-se a expressão palpável do vazio deixado pelas pessoas que mais amamos, evidenciando a sua ausência num momento que deveria ser marcado pela alegria e união familiar (Gonçalves, 2022). Esta, torna-se num espaço destinado para alguém, que, por alguma razão, não o ocupa, tornando-se assim, num lembrete constante do vazio emocional, deixado por quem não se encontra lá (Gonçalves, 2022).
Por outras palavras, o Natal não vem só (Gonçalves, 2022). Traz consigo as memórias, as histórias e as tradições, que se mantém ano após ano (Gonçalves, 2022). O ambiente externo, reluz (Gonçalves, 2022). Muites expressam a alegria e a azáfama própria desta quadra (Gonçalves, 2022). Outres, confrontades com a pressão da comemoração, ficam ainda mais carregades de dor e nostalgia (Gonçalves, 2022). E assim, como se nada fosse, as memórias tornam-se longínquas, as histórias são recontadas com pesar, e as tradições, pouco a pouco, vão se alterando (Gonçalves, 2022).
Assim sendo, com estas mudanças natalícias, algumas pessoas podem experienciar os chamados Christmas Blues (CUF, 2019). Os Christmas Blues, ou tristeza natalícia, é um estado de tristeza sazonal associado ao Natal (CUF, 2019). No entanto, este sentimento não é necessariamente experienciado apenas no dia de Natal e pode ser sentido em momentos anteriores (CUF, 2019).
Mas como é que se caracteriza esta tristeza? Neste caso, ê indivídue experimenta uma fragilidade emocional, através de um sofrimento que não é visível e que não deixa marcas físicas, mas que está presente e que pode causar sentimentos de tristeza, angústia e desânimo (CUF, 2019). Porém, esta tristeza é habitualmente passageira e não apresenta uma tendência a evoluir para um quadro clínico de depressão (Notícias Magazine, 2015). Por norma, quando a época festiva passa e há um retorno às rotinas habituais, os sentimentos costumam desaparecer (Notícias Magazine, 2015).
Os Christmas Blues manifestam-se através de sintomas como: humor deprimido na maior parte do dia; acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades; perda ou ganho significativo de peso; redução ou aumento do apetite; insónia ou hipersonia; agitação ou diminuição a nível psicomotor; fadiga ou perda de energia; capacidade diminuída para pensar ou se concentrar; indecisão; sentimentos de inutilidade; culpa excessiva ou inapropriada; e pensamentos recorrentes relacionados com morte (CUF, 2019).
No entanto, existem algumas situações que podem tornar a pessoa mais suscetível aos Christmas Blues, nomeadamente: a perda de pessoas significativas; doença; divórcio; desemprego; acidentes e conflitos com amigues ou familiares; ausência de pessoas no dia de Natal; e a pressão social derivada da comercialização própria da época natalícia (CUF, 2019).
Noutros casos, os Christmas Blues podem manifestar-se pela falta de vontade em estar com os entes querides e no desconforto em festejar o Natal (Notícias Magazine, 2015). Já em outras situações, este sentimento de tristeza origina-se pelo motivo oposto: a ausência de alguém queride e especial (Notícias Magazine, 2015).
Não obstante, a aproximação do final de mais um ano pode, ainda, levar a que a pessoa entre em confronto com o que ficou por resolver na sua vida, nomeadamente os projetos e planos que não foram realizados (CUF, 2019). O facto de existir o sentimento de que as metas definidas não foram cumpridas, pode gerar ansiedade e um estado de tristeza, uma vez que a pessoa pode sentir que fracassou (CUF, 2019).
Como podemos então reconstruir e manter vivo o espírito natalício? Deixamos-te algumas dicas de como reconstruir a quadra natalícia para que não perca o seu encanto, como por exemplo: criar novas tradições familiares; fazer atividades em conjunto, como enfeitar a árvore de Natal e embrulhar presentes; rever fotos e vídeos de momentos passados em família, recordando as pessoas especiais que nunca serão esquecidas (Brito, 2016). Além disto, acolhe os teus sentimentos e emoções (Brito, 2016). É normal que surjam emoções relacionadas àquelus que estão presentes, bem como àquelus que já não estão connosco e que deixam saudades (Brito, 2016). É importante respeitar as tuas emoções e dar espaço aos teus sentimentos (Brito, 2016).
O luto é um processo único de cada indivídue, isto é, cada ume vivencia o luto de maneira diferente (Brito, 2016). Desta forma, não te prendas àquilo que dizem sobre a forma como te deves sentir (Brito, 2016). Cada pessoa vive a perda à sua própria maneira (Brito, 2016).
Em jeito de conclusão, a cadeira vazia, nunca vai apenas simbolizar um lugar vazio. Esta, simboliza, os risos ausentes, as conversas que faltaram e os abraços que ficaram por dar. Representa a rápida passagem do tempo e o possível arrependimento de não ter aproveitado cada momento com aquelus que não se encontram presentes.
Referências bibliográficas
Brito, P. (2016). Entregue-se a esta magia. Afinal de contas, é Natal! Reflexões. https://www.oficinadepsicologia.com/entregue-se-a-esta-magia-afinal-de-contas-e-natal/
Castillo, L. (2023). Loneliness at christmas statistics [Fresh Research] (GITNUX market data report 2023). GITNUX https://blog.gitnux.com/loneliness-at-christmas-statistics/
CUF. (2019). Já ouviu falar de Christmas Blues? CUF.
https://www.cuf.pt/mais-saude/ja-ouviu-falar-de-christmas-blues
Gonçalves, L. (2022). Aquela cadeira vazia: o luto no Natal. Sapo 24.https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/aquela-cadeira-vazia-o-luto-no-natal
Neves, J. G. (2022). Como interpretar e combater a solidão dos idosos na época natalícia? Associações e investigadores sugerem o caminho a seguir. Expresso. https://expresso.pt/sociedade/2022-12-22-Como-interpretar-e-combater-a-solidao-dos-idosos-na-epoca-natalicia–Associacoes-e-investigadores-sugerem-o-caminho-a-seguir-3310aa92
Notícias Magazine. (2015, 14 de dezembro). O peso da tristeza da época mais feliz do ano. Notícias Magazine.https://www.noticiasmagazine.pt/2015/o-peso-da-tristeza-da-epoca-mais-feliz-do-ano/estilos/familia/12940/
Público. (2022, 27 de dezembro). Solidão, a pandemia que se combate com atenção. Público. https://www.publico.pt/2022/12/27/estudiop/noticia/solidao-pandemia-combate-atencao-2032336
Schneider, E., Liwinski, T., Imfeld, L., Lang, U. E., & Brühl, A. B. (2023). Who is afraid of christmas? The effect of christmas and easter holidays on psychiatric hospitalizations and emergencies – Systematic review and single center experience from 2012 to 2021. Frontiers in psychiatry, 13, 1-10. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.1049935
Simões, C. (2022). Ansiedade, tristeza e solidão: Como sobreviver à época natalícia mantendo a saúde mental. NIT. https://www.nit.pt/fit/saude/ansiedade-tristeza-e-solidao-como-sobreviver-a-epoca-natalicia-mantendo-a-saude-mental
NUPSI
Imagem: Inês Moura
