Guerra e PTSD

Guerra e PTSD

Atualmente, ligar a televisão pode tornar-se uma experiência desafiadora para
muitos de nós. Ao ligá-la, deparamo-nos com o início de conflitos armados, alguns dos
quais nem sequer temos conhecimento. As imagens transmitidas, cada vez mais vívidas,
provocam uma angústia e inquietação generalizadas em relação ao futuro, fazendo-nos
questionar: será que esta realidade se tornará parte de cada um de nós? A incerteza paira,
e não podemos simplesmente descartá-la. A necessidade de reflexão impõe-se diante
deste cenário, levando-nos a considerar as implicações desses eventos.

As cicatrizes da guerra vão além das feridas físicas, uma vez que também ocorrem
emocionalmente. Es militares que retornam carregam consigo não só apenas medalhas de
coragem, mas também carregam o fardo de testemunhar a destruição e a desolação.

Enquanto a paz parece distante, é nas cinzas da guerra que se semeia a esperança de um
amanhã mais pacífico.

Mas, então, o que se pode entender por guerra? Certo está que muitas são as
conceções que envolvem este conceito. No entanto, e de forma a poderes perceber
sucintamente o mesmo, deixamos-te algumas ideias simplistas e primordiais.

Antes de mais, é de salientar que o conceito de guerra está diretamente interligado
aos conceitos de violência e conflito (Martins, 1993). No que diz respeito à violência,
nomeadamente a física, esta mostra-se como indissociável ao comportamento humano
(Martins, 1993). Os conflitos partem da ideia geral que abrange todas as situações de
oposição de interesses ou motivações entre indivídues ou grupos (Martins, 1993). O
agravamento de certos conflitos, associado à violência, tendem a originar as guerras
(Martins, 1993).

A guerra é definida, de uma forma mais abstrata, como o ato de violência
destinado a obrigar ê “adversárie” a executar a nossa vontade, ou seja, neste “duelo de
vontades”, cada ume des adversáries sofre a “lei de outre”, sendo obrigade a aumentar a
sua violência de forma a conseguir responder às ameaças (Martins, 1993).

Eagleton (1948, as cited in Van der Dennen, 1981) concetualiza que a guerra é
um meio para atingir um fim, uma “arma” que pode ser usada para finalidades boas ou
más, desempenhando funções essenciais em qualquer sociedade humana (Eagleton, 1948,
as cited in Van der Dennen, 1981). A guerra foi utilizada para resolver disputas, defender
direitos e corrigir injustiças (Van der Dennen, 1981). No entanto, Eagleton (1948, as cited
in Van der Dennen, 1981) afirma que o método utilizado para esses propósitos, ou seja a
guerra, não poderia ser mais “estúpido, brutal, desperdiçador ou injusto”.

Como sabes a guerra é uma fonte de exposição ao stress e a eventos possivelmente
traumáticos, como perda e morte (Minervini et al., 2023; Vasterling et al., 2023). Estes
acontecimentos podem resultar no sofrimento psicológico a longo prazo daquelus que são
afetades pela guerra e pelas suas consequências, aumentando assim o risco de
desenvolverem doenças físicas e mentais, como PTSD, ansiedade e depressão (Minervini
et al., 2023; Vasterling et al., 2023), sendo comum estar presente a solidão, o esgotamento
e o medo, por exemplo (Kurapov et al., 2023). Deste modo, poderá ocorrer
comprometimento funcional que debilita a pessoa e leva à perda de qualidade de vida,
seja a nível de saúde como relacional (Birhan et al., 2023).

Sabias que para além das perturbações mencionadas, as pessoas podem
desenvolver perturbações por uso de substâncias? Pois bem, o consumo de substâncias
como álcool e outras drogas estão muitas vezes associados a pessoas que vivenciaram a
guerra, seja de forma direta ou indireta (Singh et al., 2021; Yousef et al., 2023). No
entanto, es indivídues não vivenciam as experiências traumáticas e respectivas patologias,
que possam seguir-se, da mesma forma, pelo que os sintomas de PTSD e as consequências
da guerra impactam cada pessoa de forma diferente, podendo até nem desenvolver
qualquer perturbação psicológica (Vasterling et al., 2023).

Com certeza já ouviste falar de PTSD em filmes ou séries, mas será que sabes o
que realmente significa? A perturbação de stress pós-traumático é mais conhecida por
PTSD, sigla em inglês para post-traumatic stress disorder (Yousef et al., 2021). Esta
perturbação ocorre quando se experiencia um trauma emocional de grande magnitude,
como catástrofes naturais, guerras, abusos sexuais, agressão física ou acidentes de carro,
por exemplo (Ramos, 2015).

Esta perturbação caracteriza-se pelos desenvolvimentos de sintomas específicos
que variam de indivídue para indivídue (APA, 2013). Nalgumas pessoas, podem ser
predominantes sintomas emocionais, comportamentais e de revivência do medo (APA,
2013). Já noutros casos, verificam-se estados de humor disfóricos ou anedónicos e
cognições negativas (APA, 2013). Pode-se constatar, de igual forma, a proeminência da
excitação e dos sintomas reativos externalizantes, assim como a predominância de
sintomas dissociativos (APA, 2013). Consoante a especificidade do caso, bem como do
evento traumático, a PTSD pode atingir um patamar grave e duradouro (APA, 2013).

Sabias que o acontecimento originador do trauma, pode ser revivido de diversas
formas, por parte dê indivídue? Comumente, tendem a surgir de forma recorrente
lembranças involuntárias e intrusivas do evento, às quais se incluem componentes
comportamentais, emocionais, sensoriais e fisiológicas (APA, 2013). Vale ainda salientar
que essas lembranças ocorrem, muitas vezes, em sonhos angustiantes, que repetem
continuamente a situação em si, ou então representam tematicamente as principais
ameaças envolvidas no evento traumático (APA, 2013). Assim sendo, apesar destes
flashbacks serem normalmente breves, estão associados ao sofrimento prolongado e à
elevada excitação (APA, 2013).

Além do que já referimos, a exposição dê indivídue a situações precipitadoras que
se assemelham ou remetem para algum aspeto do trauma, tendem a provocar o sofrimento
psicológico intenso (APA, 2013). Neste seguimento, a pessoa delibera esforços para
combater e evitar pensamentos, diálogos e sentimentos relativos ao acontecimento (APA,
2013).

Verifica-se ainda o desinteresse em atividades que outrora eram prazerosas, bem
como a incapacidade de sentir e experienciar emoções positivas (e.g. felicidade,
satisfação, ternura, etc) (APA, 2013). Em alguns casos pode notar-se, também, a adoção
de um comportamento físico e/ou verbal agressivo (com pouca ou nenhuma provocação),
bem como de um comportamento imprudente ou autodestrutivo, ou um comportamento
automutilante e/ou suicida (APA, 2013).

Embora algumes militares expressem um sentimento de orgulho e significado pelo
serviço apresentado, podem sofrer traumas como parte dê sue dever (Mass General
Brigham, 2023). Foy et al. (1987, as cited in Pereira et al., 2010) revelam que assistir à
morte des sues colegues é considerado um fator de vulnerabilidade. De acordo com o
mesmo, 25 a 30% des veteranes de guerra, na guerra do Vietname, aquelus que tinham
uma baixa exposição a situações de combate, desenvolveram PTSD, comparando aos
70% des veteranes que estavam envolvides em situações ameaçadoras, como, por
exemplo, estar ferido, assistir à morte des sues colegas e estar exposto a uma série de
eventos violentos e marcantes (Foy et al., 1987, as cited in Pereira et al., 2010). A
probabilidade de desenvolver uma perturbação de stress pós-traumático é maior, se
houver uma grande exposição a certas situações e dependendo do nível de gravidade da
guerra (Mass General Brigham, 2023).

Para além das consequências psicológicas que te fomos apresentando, é
importante dar destaque à ideação suicida, que leva a um estado de preocupação elevado
e necessita de uma vigilância constante (Pereira et al., 2010).

Ao nível das repercussões comportamentais observam-se problemas de
concentração, nervosismo e facilidade de susto, estado de alerta, preocupação excessiva,
evitamento de pessoas, beber, fumar ou usar drogas, falta de exercício, dieta inadequada
e cuidados de saúde, problemas para realizar tarefas regulares no trabalho e na escola e
por último, hábitos de direção agressiva (National Center of PTSD, 2014).

Finalmente, temos as consequências físicas da guerra, aquelas que provavelmente
estás mais familiarizade e que incluem as mortes, os ferimentos, a perda de membros, a
violência sexual, a desnutrição, a doença e a deficiência (Mass General Brigham, 2023).

As consequências da guerra nos seus diferentes níveis desencadeiam diversas
reações físicas, sendo as mais comuns: dificuldade em dormir, cansaço excessivo, dor de
estômago, dificuldade para comer, dores de cabeça, suor sobre pensamentos de guerra,
batimento cardíaco acelerado, problemas de saúde existentes agravam, experimentar
choque e estar incapaz de sentir felicidade (National Center of PTSD, 2014).

A guerra não só influencia negativamente es militares, mas também as pessoas
que não estão diretamente ligadas ao conflito, a nível físico e mental (Rathi, n.d). A
transição da vida militar para novamente a vida civil torna-se desafiadora, uma vez que
tem de se adaptar a uma nova rotina e ultrapassar as possíveis experiências traumáticas
(Mass General Brigham, 2023). Es familiares des militares podem também experimentar
respostas traumáticas quando um des sues entes querides é destacade e, depois, no período
de reajustamento à sua vida normal pós-guerra (Mass General Brigham, 2023).

É importante destacar que ao voltar à vida civil, normalmente, es militares sentemse desligados e afastados des sues famílias, tendo dificuldades em compartilhar
experiências vividas (National Center of PTSD, 2014). A expressão de sentimentos, a
confiança, o controlo e temperamento explosivo são aspetos desafiadores na vida des
indivídues que regressam da guerra (National Center of PTSD, 2014).

A perturbação de stress pós-traumático afeta quase 4% da população mundial e,
em 2019, cerca de 227 milhões de adultos sobreviventes de guerra no mundo sofriam de
PTSD (Birhan et al., 2023).

Como já deves ter percebido a perturbação de stress pós-traumático tem impacto
multidimensional, uma vez que pode afetar o bem estar físico, mental e psicossocial dos
sobreviventes de guerra (Birhan et al., 2023). Quando não controlada pode ter
consequências graves na vida da pessoa, como a diminuição da qualidade de vida,
comprometimento das relações interpessoais com família e amigues e até mesmo a morte
da pessoa (Birhan et al., 2023). É assim de extrema relevância que se recorra a ajuda
médica e psicológica, e não se deixe prolongar a situação de sofrimento destas pessoas
(Birhan et al., 2023; Ramos, 2015). É de notar que o apoio e encorajamento por parte de
amigues e familiares é recomendado e essencial nesta jornada (Ramos, 2015).

Em suma, é essencial ter a noção de que a guerra, indubitavelmente, transcende
as manifestações físicas, uma vez que acarreta cicatrizes emocionais profundas e intensas.

O seu conceito vai muito além dos conflitos armados, abrangendo também a violência e
a oposição de interesses. As consequências psicológicas, nomeadamente a perturbação de
stress pós-traumático, destacam o impacto duradouro da guerra nas vítimas. Para além
destes aspetos, os desafios na transição dos militares para a vida civil são evidentes, pelo
que requerem medidas de suporte abrangentes. É de realçar, ainda, que a conscientização
sobre as implicações físicas e mentais da guerra é crucial, bem como o acesso a ajuda
médica e psicológica, destacando a importância do apoio psicossocial na jornada de
recuperação.

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NUPSI

Imagem: Joaquim Duarte