Deitei-me no teu sofá. E por acaso o da tua casa até é confortável. Faz-me lembrar o velho que tinha lá na garagem. Entretanto, já o deitaram fora, mas gostava imenso dele.
Parece que foi ontem que li o primeiro livro que escreveste para mim. Sim, pois escrevias muito para mim, ainda te lembras? Estávamos a conversar perto daquela loja de artilharias ao pé da casa da tua amiga. Foi lá onde nos conhecemos. Não foi a primeira vez que nos vimos, porém, os nossos olhares entrelaçaram-se. Às vezes, dá-me saudades, sabias?
O Tobias adorava-te. Para ele tu eras um Deus na Terra. Ainda me recordo, quando batias com força três vezes na porta de entrada e ele, enternecido com a tua chegada, corria pela casa histérico e irrequieto.
No outro dia, sabes quem perguntou por ti? A avó Lúcia. Sorriu quando disse que tinhas completado com sucesso a faculdade. Parecia eu quando me disseste que conseguiste tirar a carta de condução e me levaste ao cinema. A essas horas a minha barriga chamava de si, estava esfomeada e tu, como sempre perfeito, foste-me buscar aqueles hambúrgueres que sabes que tanto adoro. Também te adoro a ti, sabes disso, certo?
O filme não era o melhor, mas o teu abraço confortou-me de tal forma que até adormeci. E já sabia que ia levar com a cantiga durante todo o caminho que “não aproveitaste o filme!” “não viste o filme”, és tão chato e tonto. Só te calaste quando fechaste os olhos e chamaste o sono para perto de ti.
Gosto quando me chamas à atenção por não pronunciar bem o português. Eu sei que, de vez em quando, dou uns erros e cometo umas gafes, mas não é p’ra tanto. És tão convencido… Gosto tanto dessa tua parte tão culta e inteligente. Então, nem me faças lembrar do momento em que tiveste de encomendar uns livros de uma livraria lá para o lado da América e, afinal, nem eram da autora que querias. Já viste como passamos por tanta coisa juntos?
Falei com a tua mãe ontem. Ela disse-me que entraste para o ginásio. Com que então estás a esforçar-te! Nem sabes o quão fico satisfeita por te ver crescer. Vais todas as segundas, quintas e sextas. Acertei? Se não acertei, diz-me porque decoro rápido!
Ah, nem te falei! Sabes aqueles ténis que te dei no ano passado? Vi-os ainda hoje no centro comercial. Vi-os e lembrei-me logo quando discutimos por quereres dar ao teu sobrinho umas botas em vez de ténis. Ainda calças o número 39? Ainda te irrita ter o pé tão pequeno? Para mim, não é um problema!
Não tenho ido lá muito bem na faculdade. Tenho andado perdida. Sabes quando te disse que queria seguir a área da geografia? Não sei bem se é o que eu quero. Sempre me aconselhaste o que fazer, ainda na semana passada encontrei um poema que fizeste. Tu, que escreves tão bem, ainda escreves?
Estou a pensar voltar à casa de férias dos meus tios. O Kiko já está grande! A Francisca já anda e o Frederico ganhou, há pouco tempo, uma viagem para Santiago de Compostela. Vai lá passar uns dias. Eles também gostam de ti como eu gosto. Lembras-te deles?
Guardei o postal de Sevilha. Ainda está na mesinha de cabeceira por detrás do quadro da Mona Lisa disfarçada que pintaste. Aquilo está tão feio, mas eu gosto. Gostei daquela arte, tal como todas aquelas que fizeste. Até estão boas, vou admitir.
Não precisas de te preocupar com o meu pé. Tenho andado a fazer curativos todas as semanas. Está a melhorar, pelo menos parece. Contigo passaria mais rápido, mas tenho andado bem.
Todos estão bem. Todos mandam muitos beijinhos, dizem que têm imensas saudades tuas e que te querem de volta. Parece que não se esqueceram das tuas recordações cá por casa. Falam em ti a toda a hora.
Ah, esqueci-me de te dizer! Vou-me mudar. Os meus pais separaram-se. Agora vou viver perto da prima Luísa. Lá para os lados de Bordela. Rua da sina, número 1. Logo, logo depois do café. Agora vivemos a 5 minutos um do outro. Ainda aqui tenho o presente do teu aniversário. Queres vir buscá-lo?
Alberto Couto