No dia oito de setembro, a artista americana lançou o seu segundo álbum de estúdio. GUTS, no seguimento dos títulos com quatro letras maiúsculas, apresenta trejeitos de punk, que refrescam o panorama pop a que estamos habituados.
O conjunto de proezas acumuladas por GUTS começa no momento em que consegue fugir ao habitual declínio do segundo álbum, ainda para mais, sendo este o seguimento de SOUR. No entanto, o novo lançamento da artista não foi, de todo, um declínio. Pouco a pouco, Olivia aparenta encontrar a sua praia (ou já a encontrou e agora está apenas à procura do Algarve), algo que chega a tratar em algumas canções, e explora essas sonoridades e histórias num trabalho que se mostra ainda mais sólido que o anterior e desarrumado por opção.
Vemos um lado da artista não tão melancólico e sentimental como em SOUR. GUTS é um “pontapé na porta” vestido de amor e a complicação do mesmo a ser chutada para canto. (“I wanna get him back /
I wanna make him really jealous, wanna make him feel bad”)
Nota-se, ainda, um à vontade diferente do álbum anterior. Neste trabalho, Olivia livra-se de todas as rédeas impostas pelo universo em que vive e deambula entre um pop-punk, que já havia desbloqueado anteriormente com “Brutal”, e temas mais introspetivos e cuidadosos, neste álbum representados por músicas como “Lacy”, “Logical”, “The Grudge” e, o culminar de tudo, “Teenage Dream”.
A produção é, novamente, do (fantástico) Dan Nigro, que executa as ideias da artista de forma exímia, fruto do vínculo que têm fortalecido desde a conceção de SOUR.
A parte pop-punk do álbum começa exatamente onde o último parou. Se SOUR começou com “Brutal” e acabou por não desenvolver tanto essa vertente, GUTS inicia com uma entrada a pés juntos da artista, com “All-American Bitch”.
A música começa de forma calma e pseudo-acústica, ditando uma perfeição e caraterísticas que idealiza para ela, a suposta menina americana comum. Mas, se há coisa que a entrada no refrão não foi, é “coisa-de-uma-menina-americana-comum”. A guitarra e a bateria juntam-se à voz de Olivia, que, na parte central da canção, canta o facto de não se importar com agir consoante a sua idade e diz que, mesmo assim, ela é uma “perfect all-american bitch”. A dicotomia entre os versos e o refrão são a magia da música de abertura do álbum, já que representa esse interruptor que altera a perceção da artista sobre a menina americana comum. No final, ela aceita tudo aquilo que é e faz, ainda, uma referência a Lana Del Rey. (“I’m grateful all the time / I’m sexy and I’m kind / I’m pretty when I cry”)
Curiosamente, o final de “All-American Bitch” interliga-se com o início de “Bad Idea Right?”, uma canção ainda dentro do estilo punk e o segundo single do álbum, lançada a 11 de agosto. Esta música representa a noção de tomar uma má decisão, que neste caso é voltar a ter um caso com o seu ex-namorado, e mesmo assim tomá-la. Segundo a própria Olivia, esta música começou como uma simples brincadeira sobre o assunto, algo percetível em linhas como “I only see him as a friend / I just tripped and fell into his bed” e “And I’m sure I’ve seen much hotter men / But I really can’t remember when”. A música é pintada com um baixo bastante marcado, uma bateria caraterística de punk dos anos 90 e versos praticamente falados, além de harmonias, brincadeiras com sintetizadores e solos e acompanhamentos inesperados.
Depois da explosão inicial que o álbum proporciona, surge “Vampire”. O single principal de GUTS, lançado a 30 de junho, serve, num momento inicial, como o perfeito corta sabores, para o álbum poder voltar a progredir. Porém, como é óbvio, restringir “Vampire” a “um corta sabores” seria, no mínimo, um insulto.
Podemos caracterizar a canção que já conta com mais de 300 milhões de streams no Spotify, como sendo um pop gótico, no qual Olivia fala de alguém que, tal como os vampiros, apenas a procura à noite, de modo a conseguir o seu sangue, metáfora usada para se referir à procura de fama. (“Bloodsucker, fame fucker / Bleedin´ me dry like a goddamn vampire”). Os toques de My Chemical Romance são notórios, a construção pré-refrão com sons celestiais de fundo é perfeita e a forma como a frase “The way you sold me for parts” não perde força ao longo da música é digno de aplausos. A música termina num topo cheio de rock, provavelmente a preparar o corte que a música que se segue dá.
Este início de álbum mostra-se, acima de tudo, bastante potente em termos de extensão vocal e de volume. “Lacy” corta por completo isso. A Lacy está para Olivia, como a Jolene está para Dolly Parton ou a Heather para Conan Gray. A música começa com uma referência a Papa Bear & His Cubs, quando diz “Lacy, oh Lacy / Skin like puff pastry / Aren’t you the sweetest thing on this side of Hell?”. Com apenas guitarra e vozes, consegue representar os problemas de autoestima, inveja e ciúme por parte da cantora, que almeja ser aquilo que Lacy é.
“Ballad of a Homeschooled Girl” é cheia de guitarras elétricas, linhas de baixo e bateria e debruça-se sobre o tema da ansiedade social. (“I stumbled over all my words / I made it weird, I made it worse / Each time I step outside / It’s social suicide”) É de notar a diferença do último refrão, onde o ritmo abranda consideravelmente e depois retoma ao normal, com a bateria a correr atrás da voz de Olivia.
Uma jovem que, devido à fama, se sujeitou à falta de conexão com aqueles que a conhecem, a ser facilmente influenciável e a ter de assumir todas as suas responsabilidades. Esta seria a sinopse de “Making The Bed”. A música puxa bastante ao sentimental, resultado de todas as complicações que surgem com a fama desde jovem, e apresenta vocais semelhantes a Kate Bush e construções líricas que se assemelham a Taylor Swift. No instrumental final, entra a guitarra elétrica, que nos traz a força final necessária para o desfeche da música, apenas em piano e voz.
“Master manipulator / God, you’re so good at what you do” são as palavras que abrem a “Logical”. Ainda nesta vertente mais introspetiva do álbum, esta canção fala sobre o amor não ser algo lógico e que esperar uma ação racional de alguém não é uma expectativa a ter em assuntos românticos. “Logical” assemelha-se bastante a “Favorite Crime”, do primeiro álbum da artista. No entanto, nunca chega a ser tão bem desenvolvida como a precedente. Nada obstante, a música é ótima, rodeando o tema em piano que acompanha a voz de Olivia.
“Get Him Back!” tem sido uma das músicas mais apreciadas do álbum, mediante os críticos e os rankings de jornais. O motivo disso: ser provavelmente o melhor momento pop do álbum. “Get Him Back!” tem uma letra hilariante, com passagens como “He said he’s six-foot-two and I’m like, «Dude, nice try»” e “I wanna meet his mom / Just to tell her her son sucks”, além de uma guitarra e coro que preenchem o refrão e o tornam bastante catchy.
No entanto, na opinião de quem humildemente escreve este artigo, a música mais divertida, pop e com potencial de fazer qualquer um dançar é “Love Is Embarassing”. Esta canção tem a peculiaridade de explorar as partes complicadas de uma relação amorosa, como o facto de exagerar numa discussão, e tornar isso algo divertido. (“You found a new version of me, and I damn near startеd World War III
Jesus, what was I even doin’?”)
No entanto, (aparentemente) para Olivia Rodrigo, a este ponto do álbum chegava de danças. “The Grudge” é uma das músicas com maior capacidade emotiva de GUTS. Nas linhas do desenvolvimento de uma traição – como em “Traitor”, de SOUR, ou “Vampire” – a canção retrata a falta de força para perdoar, a incapacidade de compreensão na ação de outro alguém e o desespero, por se ter sujeitado a ser magoada. A balada em piano ganha uma explosão na parte final, proveniente dos vocais impressionantes da artista americana, para terminar onde começou: com uma voz frágil e um piano subtil. (“And we both drew blood, but, man, those cuts were never equal”)
“Pretty Isn´t Preety” aborda problemas alimentares e expectativas impossíveis de atingir, tendo em conta um padrão de beleza. A música tem um ritmo médio e uma instrumentalização que não corresponde àquilo que a música aborda, o que a torna bastante única. As guitarras puxam bastante aos anos 80 e a sonoridade assemelha-se ligeiramente a Taylor Swift, especialmente em alturas onde Olivia procura atingir tons mais baixos.
“Where´s my f*cking teenage dream?”, perguntou Olivia Rodrigo, no início de SOUR. A resposta chegou dois anos depois. GUTS termina com “Teenage Dream”, uma música sobre tentar atingir as expectativas esperadas, sobre ter medo de não melhorar e o seu auge ter sido aos 19 anos e sobre amadurecer. Esta canção é fenomenal e tem o poder de colocar todo o álbum em perspetiva. (“But I fear that they already got all the best parts of me / And I’m sorry that I couldn’t always be your teenage dream”)
É numa explosão sonora e emocionante, com direito a uma gravação de infância de Olivia, que termina o segundo trabalho de estúdio da artista americana.
GUTS é extremamente bem construído. Assemelha-se às marés, na medida em que sabe quando recuar e quando voltar a explodir. Algo que, apesar de crucial, vindo de Olivia Rodrigo não é nada de novo. Não é por acaso que foi considerado, pela Rolling Stone, como sendo um Instant Classic (em português: Clássico Instantâneo), título que a revista só dá a álbuns com pontuação 100/100.
A produção elegante e a qualidade de som perfeita são objeto importante para as sonoridades mais sujas se conseguirem sobressair. Ao mesmo tempo, o álbum representa o fim da adolescência de Olivia e a transição para a sua fase adulta, tocando em temas como a sua responsabilidade e o assumir das consequências dos seus atos.
É o melhor e mais maduro trabalho de Olivia Isabel Rodrigo, que já demonstra ser um autêntico astro num universo em que entrou há apenas dois anos, aquando do lançamento de “Drivers License”.
Diogo Linhares
Imagem: Kevin Winter