No passado dia 20 de maio, o artista português fez-se acompanhar da Banda de Música da Portela, num concerto no Teatro Municipal de Vila Real.
O espetáculo surge da digressão comemorativa dos 20 anos de carreira do ex-integrante da banda de rock português, “Toranja”. Foi lá que se iniciou a carreira de Tiago Bettencourt que, em 2003, em conjunto com os seus, na altura, colegas de banda, Ricardo Frutuoso, “Dodi” e “Rato”, lançou o álbum “Esquissos”.
Em 2023, 20 anos após o lançamento do seu primeiro trabalho profissional, iniciou uma digressão pelo país, fazendo-se acompanhar, ora pela sua banda, ora por “filarmónicas de vários pontos do país”.
Vila Real foi o seu segundo destino. Após ter estado em Marinha Grande, a 24 de abril, subiu ao palco do Teatro Municipal de Vila Real, com a Banda de Música da Portela.
A banda foi fundada em 1840, pela família Vilar de Figueiredo e, desde aí, preza o ensino musical e a importância social que este pode ter. É bastante influente na zona de Vila Real, tendo sido condecorada com a “Medalha de Ouro da Cidade”.
O concerto iniciou-se pouco depois das 21h30, com a Banda de Música da Portela a atuar, inicialmente, a solo. Em palco encontravam-se músicos de todas as idades, acompanhadas, na sua maioria, por instrumentos de sopro, como flautas transversais, clarinetes, trompas e saxofones.
A banda foi coordenada pelo maestro David Rodrigues e abriu o concerto com um repertório composto por Pasodoble Marta Agustin, de Pere Sanz; “Sousa´s Holiday”, no arranjo de Toshio Mashima; e uma composição de Amilcar Morais, “Cidade Invicta”.
A receção à banda foi fervorosa e a capacidade que esta teve em encher o auditório de boas sonoridades só lhes garantiu ainda mais aplausos. A cumplicidade entre os membros foi notada pelos mais atentos, mas ainda havia “muitas palmas por bater”.
Depois dos primeiros quinze minutos de abertura do concerto, chegou Tiago Bettencourt, que começou o concerto com um dos “seus” maiores sucessos.
A música “Canção de Engate”, da autoria de António Variações, foi a escolhida pelo artista como primeira do seu repertório. Falar do amor do toque e da “aventura dos sentidos”, com uma banda que tão bem toca e tão bem sente, não podia cair melhor na pele de Tiago Bettencourt. Se havia elefante na sala, rapidamente encontrou o seu habitat, após apresentarem, ao público, um hino da música portuguesa, que não deixou ninguém indiferente.
Mediante trocas de guitarras e arranjos lindíssimos e inspirados no projeto “Acústico”, de Tiago Bettencourt, de 2012, o momento foi destacado por músicas como “Maria”, “Trégua” e “Se Me Deixasses Ser”.
Agora era a vez de Tiago ter o seu momento a solo. O artista salta, do centro da sala, para o seu piano e passa a interpretar alguns temas bastante icónicos da sua carreira. Foram eles “Fúria e Paz”, “O Jogo” e, naquilo que se revelou uma surpresa bastante agradável, “Morena”.
A música pop-rock, de 2014, ganhou um arranjo surpreendente, sendo tocada no piano, de forma mais serena, e sem o riff de guitarra elétrica que preenche os versos. Aposta certa. A presença exclusiva da voz e do piano conseguiu realçar este poema, que, apesar de outrora disfarçado, se revelou uma autêntica balada à “Morena”.
Depois desse momento, o artista voltou à guitarra e apresentou o momento da noite. Tiago Bettencourt introduz a música se seguiu como “algo que já não cantava há bastante tempo”, como algo que não fazia sentido trazer antes, mas que agora revelava-se imprescindível. Para alguns talvez estivesse a ser difícil acertar. Para quem conhece, não foi. A música em questão era “Eu Esperei” e, antes de começar, ainda foi suspirado um “Ai Galamba, Galamba…”, pelo músico.
Há artistas que fazem música para ajudar as pessoas a esquecerem os seus problemas. “Eu Esperei” é uma música que nos ajuda a lembrá-los, neste caso, a nível nacional. Deu a impressão de que a frase “E acorda Portugal” ecoou pela sala, ignorando todas as possíveis refrações. Limitou-se a refletir e a causar reflexões, umas nas paredes do auditório, outras nas cabeças de quem ouvia.
“Mas o povo dorme na ilusão!
E a tristeza é forma de sinal
Liberdade pode ser prisão…
Meu deus, livra-nos do mal
E acorda Portugal…”
No encore, as músicas escolhidas, e acompanhadas pela Banda de Música da Portela e pelo baterista João Lencastre, foram “Viagem” e “Dança”. A primeira a causar uma introspeção e sentimento de flutuo a quem ouvia e apreciava, num dos poemas mais bonitos da carreira do artista; e a segunda num final explosivo, com direito a danças por parte do público e uma mensagem de apelo à genuinidade.
O concerto, que apresentou alguns desequilíbrios, e, como seria de esperar, falta de ensaios conjuntos, foi, ainda assim, um sucesso e bastante bem recebido pelo público. A prova disso foi a ovação, em pé, que os músicos que pisavam aquele palco receberam.
O Maestro David Rodrigues considera que “o concerto foi bastante interessante” e que a “parte introdutória de grande nível” da banda foi fundamental. Acrescentou que, apesar de um ligeiro desentendimento na música “Se Me Deixasses Ser”, “quando falamos de humanos e de um grande grupo, a perfeição é algo impossível de alcançar”, o que não invalida a concentração que tiveram ao longo do espetáculo.
Mostrou-se bastante grato por poder colaborar com grupos tão talentosos, citando que “trabalhar semanalmente com miúdos e graúdos que encaram instituições como esta, com alma e coração, é um privilégio muito grande”.
No entender do maestro, este tipo de atuações não lhes acrescenta muito em termos de repertório, visto que “são obras que só funcionam naquele momento e com aquele artista”. No entanto, “em termos de visibilidade para as bandas filarmónicas portuguesas é uma vitamina enorme”, visto que a “calamidade que nos assombrou durante dois anos” foi um ataque direto à cultura.
Teresa Marina é a vice-presidente da Banda de Música da Portela e afirma que foi graças ao “trabalho faseado”, aos ensaios semanais e à “dedicação e empenho” que a boa prestação da banda foi possível.
Quando questionada sobre o intervalo de idades dos músicos, Teresa respondeu dizendo que “as diferenças de idades e gerações acabam por ser benéficas e podem englobar todo um leque de aprendizagens, através da troca de experiências”. O membro mais novo da banda tem oito anos e o mais velho 72. Acrescentou que “este tipo de colaboração é um impulso” e, com isto, “a banda ganha visibilidade, energia e um ar fresco para continuar a fazer […] o que sabemos fazer… música”.
João Lencastre acompanha Tiago Bettencourt na bateria há cerca de década e meia. Em declarações a´O Torgador, o músico contou que ser acompanhado por bandas filarmónicas “tem sido uma experiência muito enriquecedora”.
Considera que o ritmo é “o elemento mais importante da música” e que, sem ele, “as melodias e letras não têm sentido”. Quando questionado sobre uma possível desvalorização das palavras, no panorama musical atual, o baterista e compositor respondeu: “não acho que haja uma desvalorização da palavra na música, depende das letras, há letras muito boas e com uma mensagem forte, outras nem por isso…”.
“Como músico, é sempre uma experiência incrível conhecer outros, com a mesma vontade e motivação em fazer a música acontecer, que é o que tem acontecido nestes concertos.”, disse. “Já toquei algumas vezes em Vila Real e no Teatro. Adoro o ambiente da cidade, as pessoas, os restaurantes, e espero poder voltar em breve!”, acrescentou.
Tiago Bettencourt continua a sua digressão de 20 anos de carreira, tendo estado, no passado dia 27 de maio, em Ovar. O seu próximo destino será Coimbra, no dia três de junho, no Teatro Académico Gil Vicente.
As restantes datas podem ser conferidas nas redes sociais do artista, clicando aqui.
Texto: Diogo Linhares
Imagem: Pedro Esteves