Da velhice ao abuso. De ser-se mulher à morte.

Da velhice ao abuso. De ser-se mulher à morte.

“Madalena, 68 anos de idade. Vivo numa humilde casa com paredes vigoradas pelo desespero, pelo medo e pela fuga de um dia ser aquilo que sempre quis ser.
Sou viúva, mas há menos de 2 anos juntei-me com alguém que pensava ser a solução para o tardar da velhice, da solidão.

O corpo já não é o mesmo, a mente já sente a fadiga e as marcas tomam conta das veias salientes que me correm. Não sei no que me deu, às vezes queremos sair da nossa rotina, do nosso quotidiano monótono, de algo que se transfigura habitual aos nossos olhos.
Hoje posso afirmar que é o meu maior arrependimento. Falsifico a felicidade e exploro algo para além da tristeza, do abuso e da violência. Renego-me e choro todas as noites à espera do passado.
Perdi os meus sonhos, as conversas de sábado à tarde com aquela vizinha da Quinta do Fanal, as gargalhadas que acompanhavam os passeios de carro para a praia e o meu sorriso que se evaporou após tudo isto.
Se sou feliz? Sinceramente não sei o que isso é. Já soube, agora ando pelas réstias do conceito.
Represento uma personagem que nada me identifico, sou submissa das palavras agressivas que ecoam nos meus ouvidos e desconfio do próprio chão que piso.
Não sei como sair daqui, nem sei como avançar, estou presa. Na verdade, falta pouco para trilhar o caminho até ter com os meus pais. Agora já não há nada a fazer. Terei de aprender a sobreviver ao dia-a-dia aterrorizador e impetuoso. Terei de me convencer que este é o meu lugar, aqui é onde me sinto bem.”  (Testemunho ficcional, contudo representativa e relacional à temática em questão)

A humanidade subtrai-se à infinidade do ser humano, às suas vontades, aos seus caprichos. O negro preenche o coração de mais de 700 milhões de vítimas que sofrem de violência, insolência e prepotência (número divulgado pela Organização Mundial da Saúde).

As feridas aprofundam o interior e tentam saciar o incurável. A normalização do assunto começa a ganhar forma e sente as suas raízes a fortalecerem. Em que caminho percorremos? Somos cúmplices da brutalidade e rispidez humana? Somos influenciados pelos comportamentos de desprezo?

O panorama torna-se recorrente e o mundo digital dispara a bomba contrarrelógio. Os ideais e crenças movem-se de acordo com meras convenções construídas pelo Homem, e fomentamos a nossa mente de que a mulher “(…) tem que saber amar, saber sofrer pelo seu amor, E ser só perdão (…)” – Vinicius Moraes, Soneto da Mulher Ideal.

O amor tem várias cores, pode ser coberto de diversas formas. Quando excede os limites, o silêncio converte-se em autêntico terror e pânico. A morte torna-se numa possível aversão, um completo lugar negro onde a ausência permanece e intensificasse.

As situações abusivas, por vezes, encontram-se invisíveis ao nosso olhar e transfiguram-se isoladas de todo o mundo. Denunciemos a agressão e coação, reconheçamos o ódio e controlo e, acima de tudo, façamos o correto por uma sociedade mais do que justa, equilibrada.

“A violência destrói o que ela pretende defender: a dignidade da vida, a liberdade do ser humano.” – João Paulo II. 

Alberto Couto