Podemos apagar 2020?

Podemos apagar 2020?

Quem é que dizia há um ano atrás que iríamos viver dos anos mais atípicos que há memória? Por esta questão, tento abordar os leigos como eu no que toca à “arte” da adivinhação. Para os astros que adivinham tudo menos quando eu vou ganhar o Euromilhões, estão dispensados desta questão. Podem voltar para as vossas bolas de cristal e para os vossos santuários glorificados pelas vossas divindades omnipresentes. Mas se por um lado, não contávamos com a presença de um vírus misterioso que nos atacou por todos os lados com um silêncio assustador, também não contávamos que de repente algo nos fizesse presar tanto a vida e a dos que nos rodeiam, ainda que pelas piores razões.

Para os amantes do desporto este ano foi devastador, em fevereiro perdíamos Koby Bryant a sua genialidade, a sua presença, a sua vida. A sua habilidade com a bola de basquetebol, e o seu lugar no pódio é discutível entre os gostos pessoais de cada um, mas a sua imagem e o ícone que este se tornou no cenário internacional do desporto em questão não é discutível. Mas se esta perda já doeu, e agora falo de forma particular, a perda de Diego Armando Maradona, “El Pibe”, foi devastadora. Os seus anos de glória não foram contemporâneos com a minha vivência, mas a sua obra, a sua genialidade, a elevação que este trouxe ao futebol foram, são e hão de continuar a ser intemporais. Para os apaixonados da bola, para os devotos do desporto e para os fanáticos do futebol, como eu o sou, é impensável a indiferença da perda de D10S. A lágrima no canto do olho, o corpo congelado e a negação da perda de um dos melhores jogadores da história do futebol. Apesar destas perdas extremamente dolorosas, para mim em particular, muito mais custosa, o adeus a “El Pibe”, este vírus ficou atravessado na garganta a todo e qualquer digno adepto do F.C. do Porto por nos ter tirado o senhor Reinaldo Teles, de forma carinhosa apelidado de “chefinho”, ou de “tio Reinaldo”, que descansa agora ao lado de Maradona, de Cruyff e tantos outros astros do futebol. Depois de ter estado envolvido nas mais magnânimas conquistas do seu clube do coração, perdeu o jogo da sua vida para este vírus cuja tática permanece desconhecida.

Isto foi só uma pequena gota de água na enorme solução aquosa que envolve o nosso mundo, apesar desta pandemia que nos prendeu em casa e que fez com que o aquecimento global tivesse os melhores resultados dos últimos 50 anos, o ano iniciou no decorrer de um dos maiores incêndios que já conhecemos e que seguramente a Austrália jamais esquecerá. Sem falar nos enormes estragos que causou no meio ambiente em questão e também no aquecimento global, que deixou muitas espécies existentes naquele território no limbo da existência e alvejou o habitat de tantos seres vivos, bem no cerne dos seus órgãos vitais, deixando a biodiversidade do atlas a ouvir quase os últimos “bips”.

Todos estes panoramas são pequenas partes do pano geral daquilo que foi 2020, contudo, para mim houve um que se destacou, o movimento Black Lives Matter. É aqui que quero prolongar-me durante mais tempo, porque é um tema que me é bastante sensível. A 25 de maio, George Floyd, era assassinado de forma inescrupulosa pela polícia de Minneapolis. Se até a este momento, a tensão já pairava no ar dentro dos movimentos antirracistas, este acontecimento despoletou enormes revoltas à escala mundial. Eram enormes as contestações feitas ao governo de Donald Trump, e à boa moda da intolerância tirana, o ex-presidente americano respondeu com repressão policial, com militarismo nas ruas e resposta bélica perante muitos movimentos pacíficos.

Apesar desta contestação à escala mundial, bem feita e na minha opinião demasiado branda, eu gostava de colocar uma questão citando até uma música, porque é que “por aqui, a dor só gera comoção quando a manchete é americana”? Muitos podem esquecer, eu recuso-me a fazê-lo. Quando em 2010 a PSP assassinou o Mc Snake, os média calaram-se porquê? Quando em janeiro de 2019, mais uma vez a PSP de forma cobarde entrou no bairro da Jamaica descarregando em cima de quem lhe aparecia á frente, foi abafado pelos média porquê? Quando a 21 de dezembro, Luís Giovani foi assassinado por um grupo de racistas, os média deram mais destaque a movimentos contra reivindicativos porquê? É a típica história de gostarmos de opinar sobre os outros quando temos telhados de vidro. Falamos tanto de André Ventura, mas ele não é o único fascista no parlamento, já assim o dizia Keidje Lima, simplesmente é o único azémola que tenta justificar as suas posições, racistas, xenófobas, machistas e mais uma lista de coisas. Se isto não vos chega, temos o mais “recente” caso de Ihor Homeniuk, sim, recente está entre aspas porque o caso remete a 12 de março de 2020, contudo só começou a ter maior mediatismo recentemente, a minha pergunta resume-se ao porquê? Não sabem? Eu respondo-vos. Porque somos um povo que vive na base do parecer, gostamos mais de parecer do que realmente ser.

Apesar de ter dado maior destaque a este tema sobre o racismo e movimentos reivindicativos, o tema principal do ano, foi nada mais nada menos do que, o covid. Eu sei que vocês sabiam esta. Mas tanto ou mais do que vocês, eu já estou com o covid pela ponta da agulha da vacina, só quero que ele vá embora que me devolva a minha vida como era antes, que eu devolvo-lhe a dele sem qualquer tipo de contestação e vivemos os dois muito felizes tal como eramos antes. Tudo isto para dizer o quê? Se alguém tiver uma borrachinha mágica, que apague 2020 que não me faz falta nenhuma.

P.S: Adeus Donald Trump.

Filipe Reis