“Metros. Quem nunca”
Diria o humorista Carlos Coutinho Vilhena.
E eu digo que, metros, sozinha, até agora, uma única vez e essa feliz concretização pessoal que eu obtive acabarei, aqui, por descrever para vossa grande infelicidade e aborrecimento de quem não quer saber de nada.
O dia foi longo nessa data, os pormenores são dignos de outra crónica – ou várias – mas este pormenor foi peculiar a vários níveis. Não digo que seja o principal mas um deles é eu ter, finalmente, enfrentado um dos transportes que mais me deixa ansiosa. Todos me deixam, na verdade. Porém, numa cidade como Lisboa, a ansiedade agudiza-se. Cá para cima, na vila ou na cidade onde estudo, não temos cá metros. Há transportes, claro está (apesar da linha ferroviária estar um caos no Douro), e nenhum deles ser o metro, de maneiras que aquele dia tinha tudo para correr bem, portanto. Nas horas que antecederam aquele momento que me levaram a fazer a viagem de regresso a casa não foram as melhores e a minha disposição era seguramente chegar a casa e ir pelo ralo da banheira e nunca mais voltar a esta vida; o que, só aqui, já diz muito do meu estado de espírito.
Deixada ali na estação de Santa Apolónia pelos meus recentes amigos, entrei no metro, finalmente (de certa forma), porque iria estar a sós com os meus pensamentos e aliviada por ter cessado aquele pesadelo comunicativo individual. Olhei em redor e, por incrível que possa ser depois de ter revelado a minha zero aptidão para estas andanças, senti-me bem. Não me senti nervosa, talvez porque o nervosismo e os sentimentos que senti antes me tivessem consumido. Agora, por outro lado, estava sentada, mais descansada, e possivelmente vista como uma rapariga que estaria ali, mais um dia, a apanhar o transporte da plebe, com cara de poucos amigos. Toda eu fui Elliot da série Mr. Robot.
Olhei em redor e reparei no casal que se sentou ao meu lado com uma filha nos braços da mãe. O filho mais velho estava sentado diante de mim, mas umas cadeiras mais à frente. Para me certificar de que aquele era o meu caminho correto de regresso a casa perguntei ao casal, o qual me acabou por garantir que era. Tranquila, ali me deixei recostar no banco do metro, desprovida da preocupação que era andar ali sozinha. Passados uns minutos o metro começou a andar. Eu, absorta pela cadeia de raciocínios que estava a ter neste cérebro tresloucado, dou por mim a ser tocada por um homem que, reparando eu, vejo-o com um olhar fulminante e com cara de quem vai processar alguém – sendo eu esse alguém, pelos vistos. Indago-o com os olhos, com a minha cara interrogativa, confusa, e ele continua de olhar mal disposto, impaciente. Olho para o casal ao meu lado, caindo, posteriormente, um raio de luz fugaz em cima de mim e começo rapidamente a tirar da carteira o passe; atrapalhada, atabalhoada enquanto o procurava e retirava, lá lhe digo:
Ahhhh, desculpe…
E entrego-o. O casal e mais uns quantos que ali estão riem-se de mim. Eu, envergonhada da cabeça aos pés, nervosa. Uns instantes a seguir, ele devolve-mo fazendo uma expressão de aversão e, sem dizer uma única palavra, retoma o seu processo com as restantes pessoas. Eu rio, aliviada, e digo para mim mesma que sou uma nódoa nesta cidade.
Ana Marques