“Enchemos mesmo não querendo. Suámos. Passamos a mão pela testa. Limpamos o suor. Daí a nada o cenário repete-se. Uma e outra vez.” – podia muito bem ser um testemunho de um maratonista em porno gay, mas não: foi o início da crónica de Carlos Carvalhosa que faço questão de ter o direito em contrariá-la.
Antes de mais, quero alegar que não sou contra a praxe enquanto atividade de participação voluntária. Mas, sou contra aqueles caloiros que se acham o Santo António do Maranhão. Querem é converter à bruta. Fazer inveja aos amigos: – “Nem sabes o que estás a perder. A praxe é vida.” – dizem isso porque também acham que a terra é plana e que a vida tem de ser vivida aos arrastos. – “Ah, mas a praxe é essencial na integração” – também sodomizar um casal de escoteiros em Dezembro. – “Ai, mas a praxe dá-nos a oportunidade de conhecer muitos amigos” – a prostituição em cadeia também. “Com a praxe conhecemos valores, conceitos e o respeito”, diz Carlos. Aprender valores com a praxe é a mesma coisa do que aprender braille com surdos. E toda a gente sabe que a melhor maneira de ensinar o respeito é aos gritos e aos insultos – tudo isto de quatro e com a língua de fora.
Carlos Carvalhosa continua insinuando com grande indignação o desconhecimento desta atividade por parte dos “influenciadores de opinião” dizendo que contam “histórias que alimentam a imaginação de quem nunca teve coragem de ir, de experimentar”. Primeiro, a praxe não é uma questão de coragem. Coragem é ser-se mulher num mundo de cavernícolas, homossexual na Tanzânia, negro na América, e concorrente da Casa dos Segredos em Portugal. É preciso alento para com as palavras. Eu, como muitos, também nunca quis experimentar a praxe assim como também nunca tive curiosidade de introduzir um dente de alho pela uretra acima.
“Como é possível”, continua, “que uma tradição académica tão portuguesa e tão antiga viva ainda nas ruas da amargura?” – à exceção de Coimbra, e é discutível, não há qualquer tipo de tradição assim como também não há tradição em masturbar um carrinho de mão em cima de um casaco de peles ou lavar a cara com lixívia. É muito perigoso vaguear nesse limbo, até porque quem tem um conhecimento mínimo do mundo sabe que as tradições têm um sabor agridoce. Quem não sente falta daquela tradição em que as mulheres não tinham direitos. Era vê-las ali a lavar a louça e limpar o pó. Então matar bois com bandarilhas… era a loucura.
“Como podemos ser, ainda, incompetentes o suficiente para não ter elevado a imagem da Praxe junto das “massas”, aproximá-las das pessoas, mostrando que ela é tudo menos humilhação!”- escreve Carlos. Num artigo do jornal Observador, em Portugal, “os alunos que participaram no chamado “ritual de integração” das universidades, 59% admite que os atos deixaram “consequências psicológicas”. A seguir ao “abandono dos estudos” (20%), vêm “outras” com 15% e ainda há quem destaque “consequências físicas” (6%).” Eu compreendo que o Carlos Carvalhosa não tenha conhecimento de documentários, testemunhas, documentos. Até porque esses documentos têm mais de três sílabas que não surgem muito frequentemente da boca de youtubers.
Herman José