A II Edição da Marcha da Igualdade de Género realizou-se no passado domingo, dia 11 de março, em Vila Real. Mesmo sob aviso laranja, os vila-realenses saíram às ruas e protestaram contra a desigualdade salarial e o assédio sexual, as questões sociais envolvidas nesta manifestação.
Falámos com Andreia Carvalho, uma das organizadoras da marcha, que reconhece que mesmo com o mau tempo, esta macha foi mais uma vitória para a juntar a outras manifestações anteriormente realizadas na cidade. Outros pontos de vista desta ativista são que os jovens poderiam estar mais presentes nestas causas e, ao mesmo tempo, mais informados sobre as temáticas defendidas, qual a verdadeira razão de se comemorar o Dia Internacional da Mulher no dia 8 de março e quais os futuros projetos que serão realizados na cidade transmontana, a favor da igualdade.
O Torgador (OT): Sob aviso laranja, as pessoas saíram na mesma à rua para defender esta igualdade que hoje era o tema principal da marcha. Qual o balanço que faz desta iniciativa?
Andreia: “Em primeiro lugar, a marcha é pela igualdade de género. O ano passado foi a marcha das mulheres, este ano decidimos dar um nome mais inclusivo e mudar o nome para “Marcha pela Igualdade de Género”. Sobre o aviso laranja, nós sabíamos que as condições atmosféricas não iam ser as mais favoráveis, indicadas para este tipo de manifestação de rua, mas alterar a data, que já é uma data histórica para nós não fazia sentido, muito menos em cima da hora e do acontecimento. Correu muito bem mesmo assim, superou as expectativas de um dia de tempestade. Portanto para nós, foi uma vitória, mais uma vitória!”
(OT): Que valores, englobados nesta questão da Igualdade de Género, foram defendidos hoje durante a marcha?
Andreia: “Foi uma marcha muito mais inclusiva do que a da edição anterior. É uma marcha que fala sobre o assédio sexual, sobre os direitos laborais, que são bandeiras que estão em cima da mesa, nomeadamente em matéria legislativa, portanto achámos um momento oportuno para falarmos dessas mesmas causas, aqui em Vila Real”.
(OT): Anteriormente tinha referido que esta era uma data histórica para vocês. Esta marcha veio também no segmento da Comemoração do Dia Internacional da Mulher, dia 8 de março? Muitas pessoas ainda acreditam que esse dia não devia ser celebrado porque estamos a destacar um género apenas. Qual a verdadeira razão para a comemoração deste dia?
Andreia: “Este dia é nomeado como “O Dia da Mulher Trabalhadora” e temos que ter em atenção que este dia foi criado devido a incidentes que aconteceram nos Estados Unidos numa grande fábrica onde morreram centenas de mulheres. O dia foi-se historicamente celebrando devido à luta pelos direitos das mulheres no sentido laboral. O que acontece é que muitas pessoas, hoje em dia, confundem o propósito desse dia, dizem que é o dia da mãe, o dia da namorada… e esquecem-se que é o dia da mulher no geral, que continua a ser, em tantos casos, a vítima de violência, assédio sexual e de questões salariais. E é esse o dia que se celebra! E quando digo celebrar, não quero dizer que é uma festa, é sobretudo relembrar as pessoas que existe muito trabalho a fazer e que falta sensibilizarmos as pessoas para isso, que o dia da mulher não é uma festa, não é um dia em que se oferece flores às mulheres. Podem fazê-lo no resto do ano, este é um dia de luta! Se a mulher vale tão pouco no mercado de trabalho, o que aconteceria se a mulher parasse totalmente? São questões como estas que fazem a diferença num sentido mais prático”.
(OT): E qual a faixa etária mais difícil ainda de educar neste aspeto? Ainda existe uma faixa etária menos preocupada com esta causa, ou sem flexibilidade para mudar, ou achas que o assunto já se tornou de interesse geral, na sociedade?
Andreia: “A faixa etária mais difícil é a camada mais jovem. São eles os futuros trabalhadores e muitos deles não têm noção daquilo que se passa no mundo, destas questões que hoje defendemos aqui. As pessoas idosas, surpreendentemente têm uma posição ativa, têm uma visão mais igualitária do que a camada jovem. E pelo menos para mim, que já ando nesta luta a algum tempo, é surpreendente, porque normalmente pensa-se que é o contrário. É mais difícil mobilizar os jovens para este tipo de manifestações do que propriamente as pessoas mais idosas. Nós estamos a tentar formar as pessoas que irão ser o nosso futuro, não esquecendo em momento algum, as que já estão cá. Por isso, a nossa principal missão é passar esta mensagem, educar, porque não a recebem muitas vezes nem em casa, nem na escola e estes movimentos de rua servem para isso, preparar estes jovens para os tempos que se aproximam. Lembrando que estes movimentos não acontecem com apoio de nenhuma entidade oficial, mas sim pela boa vontade das pessoas”.
(OT): Durante a marcha foram várias as mensagens que foram passando em forma de protesto. Qual a mensagem que considera o hino desta marcha, a que tem mais impacto?
Andreia: “O facto de dizermos “Sou feminista e o mundo vou mudar” diz tudo! Sinceramente, é a causa feminista que vai transformar o mundo! Obviamente que ser pessoa, devia implicar ser feminista. A causa feminista não é de todo o que muitas pessoas pensam, não é superiorizar o sexo feminino, é colocá-la ao mesmo nível apenas. É a nossa frase de ordem e aquela que irá sempre ser ouvida em todas as marchas!”
(OT): Uma das mensagens que foram transmitindo também vinha de encontro a um tema bastante controverso da atualidade, a penalização dos piropos. Qual a frase\mensagem que disseram e qual a tua opinião sobre isso?
Andreia: “«Não quero o teu piropo, quero o teu respeito!». Este é um tema muito polémico, divide muito as pessoas, porque há pessoas que acham que nem tudo deve ser considerado como piropo. Em primeiro lugar, para entendermos este tema, temos que pensar sempre na vítima e não no agressor verbal. Uma miúda de 13/14 anos que circula livremente na rua e é importunada com um piropo, não está correto! O que essa miúda absorveu desse momento em nada foi agradável nem em nada irá contribuir para a sua formação. Nós estamos numa época em que se fala muito de assédio sexual e o piropo também tem a ver com isso, é uma forma de assédio de bolso, barata, dos idiotas e das idiotas, porque existe assédio dos dois lados. As mulheres sentem-se mais atacadas porque culturalmente é assim desde sempre. Temos de mudar muitas mentalidades ainda”.
(OT): No futuro, que outras manifestações, outras marchas podemos ver ser realizadas aqui em Vila Real, e até mesmo que outras causas serão defendidas?
Andreia: “A segunda edição da marcha LGBT está para breve, irá ser realizada em maio. Apesar de legislativamente sermos dos países mais avançados em termos de matéria legal, a questão é que socialmente não estamos assim tão evoluídos. Nós temos que enfrentar isso, o medo que as pessoas têm em falarem sobre o assunto, sobre sair à rua e defender esse direito que todos temos. Deixo aqui uma nota sobre a Primeira Marcha LGBT em Bragança que vai acontecer em maio e é mais um momento histórico em Trás-os-Montes e em Portugal, obviamente! E é através deste tipo de situações que nos vamos apercebendo que a sociedade está a evoluir num sentido positivo e está finalmente a educar-se a ela própria. O importante é não parar!”
Embora a chuva não tenha dado tréguas à luta pela igualdade e as condições meteorológicas dificultarem todo o processo, no fim todos os protestantes sentiam o seu dever cumprido com sucesso.
Uma das participantes era Cristiana Ribeiro, aluna da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, do curso de Psicologia. Interessa-se por estas questões sociais e não é a primeira vez que participa em manifestações onde o tema de ordem é o feminismo. Na sua opinião, os jovens também não têm um papel ativo nestas causas e nos movimentos de rua e era importante que isso mudasse.
(OT): Esta marcha era intitulada “Marcha pela Igualdade de Género”, qual a tua opinião sobre isso?
Cristiana: “É a primeira vez que participo numa marcha pela Igualdade de Género. Já tive oportunidade de defender outros movimentos feministas no Porto e aqui em Vila Real, participar na marcha LGBT. Claro que no Porto nota-se uma maior adesão por parte das pessoas, hoje também não estava um dia propício para a realização deste tipo de manifestações, mas o importante é que mesmo assim notou-se a presença de algumas pessoas e no fundo é isso que faz a diferença! Noto igualmente que, em Vila Real, os jovens não se interessam muito por estas causas, porque nas duas marchas que tive oportunidade de participar, não foi notória a sua presença”.
(OT): Achas que os jovens, falando desta marcha e da questão da igualdade de género, não se apercebem que atualmente as mulheres ainda sofrem discriminações a nível salarial e assédio sexual?
Cristiana: “Na minha opinião existe tanto assédio sexual atualmente que é impossível não ver nem falarmos sobre o assunto. Só se estiverem mesmo apagados em relação a estas questões sociais. Concordo plenamente que a faixa etária mais difícil de alertar para esta causa são os jovens. Eu tenho 20 anos, eu tento trazer alguns amigos para estas manifestações, principalmente do curso, mas não resulta! Acho que mesmo assim, a UTAD devia dar mais importância a este tema, num modo geral, e preocupar-se com estas questões sociais. Mesmo não estando enquadradas em nós, nós devemos ter a empatia de saber lidar, respeitar os direitos dos outros e lutar por eles”.
Vera Oliveira
Fotografia: O Torgador (Marcelo Martins e André Cardoso)