Numa sexta à noite gélida, Gisela João agasalhou o Teatro de Vila Real com um manto de energia para quem diz que o “fado é triste”. Fez questão de reforçar a ideia de que o fado é uma forma de estar, de sentir e, sobretudo, de interpretar as músicas. Descalçou a construção previamente definida que o fado é para “não respirar, não falar e não dançar” para dar aso à sua visão do que ele é: um baile no universo de cada um, mexer com o que está cá dentro.
Avançou, fez-se ouvir e em cada intervalo entre músicas, dirigiu-se ao público numa postura confortável, familiar, como alguém que convida os amigos para ir lá a casa tomar um chá e, no entretanto, canta umas músicas. Posto isto, o público foi aderindo, criando uma empatia enorme com a cantora e conversando com a mesma, enquanto o “chá” era tomado.
Entre tantas histórias, recordou a última vez que esteve em Vila Real, o Verão que fazia na altura e as saudades da cidade. Desenvolveu, aproximou-se e desabafou com um público de ouvidos atentos. Fala de Barcelos, da família, dos sete irmãos e da avó “Micas”, como carinhosamente lhe chamava – uma senhora de conselhos sábios que Gisela sempre fez questão de seguir e de os transparecer na sua vida. Recorda ainda a mesa longa e barulhenta que acompanhava todos os jantares, o facto de ser a irmã mais velha e as anedotas do irmão, pondo o teatro a deambular entre a sapiência e o riso.
Musicalmente, fala de Cartola, músico do qual fez dois covers que podem ser escutados no último álbum (Nua – 2016), “As rosas não falam” e “O mundo é um moinho”, diz-nos que gosta destes poemas pela “simplicidade, pureza e a mensagem” que transmitem. Coloca os três músicos que a acompanham com guitarras a demonstrarem o seu talento a “solo”, numa música com entoação bem portuguesa. Apresenta pela primeira vez num espetáculo a sua música nova e, pela reação do público, bem que a pode tocar mais vezes. Desconstrói os puristas do fado e apresenta-nos “Senhor Extraterrestre” de Carlos Paião (também Amália chegou a fazer cover desta música) e o teatro exalta-se, dança e diverte-se.
Despede-se, mas regressa para o encore. Diz-nos que não estava nada à espera de voltar, nem costuma fazer aquilo. A familiaridade mantém-se na despedida e, após encore, saúda-nos e despede-se num eco de aplausos com contornos de ovação.
“Quisemos falar, mas dissemos pi, estávamos mal sintonizados” Sintonizações feitas, reencarnamos num ser mais leve, bebemos da paz de Gisela e da sua irradiação de luz e positividade.
No final de concerto, o burburinho não enganava, entre os comentários todos eram de bom grado e tudo se resumia em “Que voz, que pessoa, que espetáculo!”.
Já não havia frio.
José Carvalho