Saudações! Seja bem-vindo a um artigo crítico, de investigação e sobre música, quase tão experimental como a sonoridade de Mac Miller a partir de Divine Feminine.
No passado dia 17 de janeiro de 2025, o segundo álbum póstumo do artista foi lançado. Balloonerism é o nome do projeto e sucede, na cadeia de álbuns póstumos, o álbum Circles. Circles foi lançado cerca de um ano e meio após a morte de Malcolm James McCornick, curiosamente também no dia 17 de janeiro, mas de 2020.
Este artigo é uma espécie de mergulho na discografia póstuma deste artista, que nos deixa tantas saudades. É, igualmente, uma homenagem a MacMiller – esperamos que ele não se importe com este nosso “swimming” pela sua musicalidade.
O (novo) voar de Balloonerism
Já se passaram mais de seis anos desde que Mac Miller partiu, mas a sua música e essência continuam a ecoar no nosso tempo, como uma memória que nunca se desvanece. Costuma-se dizer que a arte é intemporal e é, em Balloonerism, que acontece a materialização dos seus sentimentos, medos e sonhos, de quando gravou as primeiras bases das músicas, em meados de 2014.
Lançar um álbum póstumo não é uma tarefa fácil, visto da perspetiva de que devemos respeitar a memória e a arte de quem mais gostamos. Nos últimos anos, temos vindo a observar autênticas chacinas ao percurso artístico daqueles que já nos deixaram – falo de Juice WRLD, XXXTENTACION, Pop Smoke, Michael Jackson, entre outros. As gravadoras são completamente responsáveis pelos lançamentos insultuosos que temos ouvido nos últimos anos, com o objetivo de sugar os últimos cêntimos possíveis dos cantores, devido à procura e desejo de ouvi-los uma última vez. Este não é o caso. Balloonerism é tudo aquilo que queremos de um disco póstumo.
Para quem está à procura do Mac Miller a que estamos acostumados, este não é, de todo, o álbum mais indicado. Como disse anteriormente, muito dos arranjos e gravações de voz ao longo do disco foram feitos em 2014, ano em que o rapper lançou Faces, uma mixtape com uma abordagem mais experimental. O Balloonerism segue o mesmo fio condutor, juntando fusões de jazz, R&B, soul e um ambiente psicadélico a complementar a vertente de rap, anteriormente explorada pelo artista. Em algumas partes do álbum, somos surpreendidos por estruturas musicalmente pouco convencionais, algo que pode não ser para todos os ouvidos, mas que, na minha opinião, tornaram o álbum mais abstrato – o que era, nitidamente, aquilo que Mac Miller idealizava na composição deste projeto.
O álbum abre com duas músicas completamente fora da caixa e que, a meu ver, servem como uma entrada para o prato principal. Este vai ser o som do resto do álbum e o Mac não quis esconder isso. Não andou com rodeios, nem entregou uma música mais comercial e melódica ao início – o álbum começa com um interlúdio, em “Tambourine Dream”. Não seria descabido de todo ter essa vertente mais comercial, já que temos SZA em “DJ´s Chord Organ”. Ainda assim, isso acaba por não acontecer. É de realçar a facilidade com que a cantora entra num beat com este tipo produção lo-fi, o que demonstra a qualidade e a química que Mac e SZA tinham, que já durava uns bons anos.
“Do You Have A Destination”, “5 Dollar Pony Rides” e “Friendly Hallucinations” são provavelmente as faixas mais fáceis de digerir. Algumas das partes mais impactantes e cativantes são destas músicas, muito pelos refrões e por pedaços de voz do Mac. Ainda assim, a produção não deixa de ser rica e ambiciosa.
Liricamente, o tema de consumo de drogas está muito presente ao longo do álbum, à semelhança de Faces. As músicas onde este tema é mais aprofundado são “Stoned” e “Shangri-La”, as inflexões vocais arrastadas de Mac Miller dão uma teatralidade à letra, estabelecendo, assim, um paralelismo com a sensação de estar sob o efeito de substâncias.
Ainda falando da capacidade escrita de Malcom, “Funny Papers” dá-nos o momento mais emotivo do projeto. O rapper conta-nos as notícias que viu nos jornais, boas e más, enquanto reflete e as liga às emoções que está a sentir, perguntando-se a si mesmo “para que é que isto tudo serve?”. Este é, sem dúvida, um dos pontos altos do álbum que, de certa forma, revela muito dos pensamentos e questionamentos que o Mac fazia, já naquela idade e no início da explosão da sua carreira.
“I saw his picture in the funny papers
Didn’t think anybody died on a Friday”
Chegamos à última fase do álbum e somos confrontados com uma das maiores revoluções criativas na carreira do Mac Miller. Estas são, para mim, as músicas mais experimentais e, ao mesmo tempo, bem conseguidas. É de destacar que a maior parte da produção do álbum foi feita pelo próprio, sendo apenas acrescentados alguns elementos de consolidação finais após a sua morte, sem deixar desvanecer a escolha estética do artista. Thundercat, um dos baixistas mais talentosos da atualidade e companheiro de estrada de Mac, foi também uma peça fundamental na execução deste álbum.
A faixa de encerramento do álbum, “Tomorrow Will Never Know”, é uma viagem sombria de quase 12 minutos, que sumariza por completo o “Balloonerism”. Uma música desconcertante que revela a veia mais visionária de Mac Miller. Um instrumental cheio de espaço que deixa a voz de Mac carregada com reverb flutuar livremente e acaba com sons de uma chamada de telemóvel, deixando assim um final em aberto. O título desta música pode ser também uma referência à música “Tomorrow Never Knows” do álbum Revolver dos The Beatles, uma composição igualmente psicadélica e disruptiva.
É difícil ouvir um álbum tão completo e bem executado depois do falecimento de Mac Miller. Apesar da existência de algumas falhas por serem músicas inacabadas, este projeto foi, de forma geral, feito exclusivamente para o próprio Mac. Esta era a sonoridade que ele queria fazer e isso sente-se na forma como o projeto explora diferentes abordagens, que já tinham sido testadas anteriormente. A criatividade instrumental e a honestidade das letras são o que tornam este álbum especial.
Rating – 9.3/10
A meia década de Circles
É de se cantar os parabéns! – tanto pelo trabalho fantástico feito em Balloonerism, como pelo (literal) aniversário de Circles, o primeiro álbum póstumo de Mac Miller. O disco foi lançado a 17 de janeiro de 2020, anunciado a par do single “Good News”, numa mensagem de paz entregue aos fãs, até hoje de luto.
A anúncio do álbum foi feito através de uma carta, escrita pela família de Malcolm James McCormick, publicado na página de Instagram do artista – foi a primeira publicação feita depois da morte do artista, curiosamente foi, também, a última.
O projeto surge na sequência do álbum produzido e lançado em 2018, meses antes da morte do cantor, uma espécie de continuação de Swimming – o objetivo seria atingir a ideia de nadar em círculos, “Swimming in Circles”. De modo a não desaproveitar as canções já feitas, o produtor Jon Brion pegou no trabalho que Mac já tinha feito no estúdio, deu os toques finais e lançou o álbum ao mundo.
Circles inicia com a música que batiza o álbum e um dos destaques do primeiro trabalho póstumo de Mac Miller. Liricamente, a abertura do disco não podia ser melhor, já que acaba por antecipar os temas que o restante do álbum vai tratar. Em tom de aviso e desabafo, Malcolm começa “Circles” com:
“Well, this is what it look like right before you fall
Stumblin’ around, you’ve been guessin’ your direction
Next step, you can’t see at all”
A guitarra, o vibrafone e os pratos fazem a cama perfeita para a voz de Mac Miller transportar toda a honestidade, em tom de desabafo, que expõe neste trabalho.
Depois de “Complicated”, uma canção com um tempo mais alto e ritmado, apesar da mensagem de complicação, segue-se outro dos destaques do álbum, “Blue World”. A canção segue, na perfeição, a temática apresentada em “Complicated”, de estar encaixado num mundo que tem sido complicado e ingrato, mas numa perspetiva esperançosa de que as coisas vão melhorar.
“Hey, one of these days, we’ll all get by
Don’t be afraid, don’t fall”
“Good News”, a quarta música do álbum, foi o single principal e uma das canções que mais repercutiu do projeto – e não foi por acaso! A base da música mascara-se de minimalista, mas essa máscara cai logo que Mac Miller entra na canção. A forma como a voz de Mac entoa, através de uma letra tão rica em conteúdo, é o ponto alto da canção. Cansado de só esperarem boas notícias da parte dele, Mac Miller senti que as pessoas não gostavam dele quando estava em baixo. (“No, they don´t like it when I´m down”)
A sexta música do disco, “Everybody”, é o setup perfeito para a ponte feita por “Woods” (a sétima e uma das favoritas de quem vos escreve), a culminar, primeiro, em “Hand Me Downs”; e, depois, em “That´s On Me”. Vamos por partes:
“Everybody” rege-se por uma espécie de epicurismo de Mac Miller – tanto a vida como a morte, a vitória e a derrota, são inevitáveis. (“Everybody’s gotta live. And everybody’s gonna die.”) “Woods” abraça esse pretexto e aborda-o do ponto de vista do artista, num plano geral. Mac expõe um medo, quanto ao facto do seu legado poder vir a ser esquecido.
“Yeah, things like this ain’t built to last
I might just fade like those before me
When will you forget my past?“
Em “Hand Me Downs”, música com a colaboração de Baro Sura, o desejo é encontrar alguém que cause uma sensação de segurança e sanidade. Depois da faixa, aparece “That´s On Me” que é, provavelmente, a música mais melancólica do álbum. Podemos descrever a canção como uma introspeção de Mac Miller quanto à sua depressão, ao mesmo tempo uma tentativa de ajudar aqueles que estejam a passar por situações semelhantes. A canção inicia-se com uma afirmação, para que não haja qualquer dúvida, “That´s on me” (A culpa é minha) – Mac Miller admite a sua condição mental e está ciente dela. A inexistência de certezas quanto à continuidade da vida é um dos motivos desta melancolia, presente em “I know nobody that knows where we’re going at all” (Eu não conheço ninguém que saiba para onde vamos)
“Hands” aborda o tema da ansiedade e de sofrer por antecipação, um climax negativo em constante crescente desde “Everybody”. No entanto parece abrandar em “Surf”, como que uma onda que se desfaz na costa da praia de Mac Miller. A penúltima canção do álbum joga com o título do trabalho de 2018, Swimming. Se antes Mac Miller nadava em águas turbulentas, agora parece ter aprendido a surfar nelas.
A linha “There’s water in the flowers, let’s grow” foi causadora de dúvida na primeira vez que a ouvi. Na sequência de Swimming, tudo faz mais sentido. Somos flores, mantidas pela água que nos deixa viver. Há águas más, e que por vezes indiciam afogamentos, mas, se surfarmos nelas, viram apenas material de rega e de crescimento. Saber fluir nos problemas é, no fundo, escolher crescer.
O álbum termina o seu círculo perfeito com “Once a Day”, até mesmo do ponto de vista musical. A última nota de “Once a Day” é aberta e conecta na perfeição com a primeira nota de “Circles”.
Terminamos dizendo que Mac Miller não morreu, apenas se transformou em música.
Tiago Nogueira e Diogo Linhares
Imagem: Carl Timpone