Pastelar num mundo frenético

Pastelar num mundo frenético

Neste ritmo exacerbado em que vivemos, onde a produtividade é a lei que nos rege, o simples facto de estar sentado a ler ou a conversar numa esplanada, torna-se quase repudiado.  Muitos podem ver esta atividade como algo banal ou até como um desperdício de tempo, mas, a meu ver, é nesta “inutilidade” que reside uma profunda riqueza.

“Pastelar”: ato de “pastelar”, sem qualquer relação com pastéis, mas que também se pode acompanhar de um bom pastel. O ato de “pastelar” reside no simples facto de estar na esplanada, refastelado, a contemplar o mundo à nossa volta, mundo esse que gira freneticamente.

O ato de estar sentado numa esplanada, seja a beber um café, seja a conversar com um amigo próximo ou que já não vemos há muito tempo, é um exercício de presença, de sentir a vida ao nosso redor sem o derradeiro filtro da pressa e premência de fazer algo.

Estar sentado na esplanada, também nos aproxima da convivência silenciosa com o outro. Principalmente, se estivermos sozinhos. Sem precisar de comunicar diretamente com as pessoas, ficamos, ainda assim, com um sentimento de pertença, de comunidade, de comunhão com a raça humana. Num mundo cada vez mais polarizado e marginalizante, esta atitude, terapêutica e até filosófica, remete-nos para a diversidade e a singularidade do ser humano. Um ser com tantas particularidades.

Sentados na esplanada, vemos o mundo de perto, mas, simultaneamente, de muito longe. As pessoas que passam, atarefadas à nossa frente, esquecem que estamos ali e por isso somos quase invisíveis aos seus olhos. Contudo, nós vemos cada pormenor a acontecer, cada detalhe: o casal a discutir, a senhora a passear o cão, que corre para a tentar acompanhar, a funcionária do café numa frenética tentativa de dar vazão a todos os clientes, o jovem casal de namorados que passeiam despreocupadamente pela cidade. Todas essas cenas, que podem à primeira vista parecer banais, são dotadas de poesia. Temos o mundo ao alcance dos nossos olhos, na sua forma mais real e autêntica. A esplanada não é simplesmente um lugar com cadeiras e mesas ao ar livre. É uma pequena porção do mundo, simultaneamente palco e plateia. Cada esplanada constitui a entrada para um portal onde podemos observar o mundo na sua íntegra, numa velocidade onde nenhum detalhe nos escapará. Cada instante vivido neste palco, ainda que efémero, é algo precioso nesta grande peça, que é a vida.

Por fim, há algo na simplicidade de estar numa esplanada que nos ensina muito sobre a estética do presente. As mesas ao ar livre, testemunhas de inúmeras conversas; a agitação dos carros, que deslizam na estrada subordinados à pressa humana, tudo isso se transforma numa verdadeira ode ao simples.

Estar na esplanada não é apenas uma pausa na rotina. É um retorno à essência do que significa estar vivo, ou seja, a capacidade de “ser” sem pressas e sem expectativas. É uma prática que desenvolve uma dimensão mais humana e mais sensível, onde o tempo é o nosso verdadeiro aliado e nunca adversário. Acredito que, ao darmos espaço a esta prática, vivenciamos um modo de vida mais leve e consciente, onde a felicidade reside na simplicidade das coisas.

Tiago Delgado