– Ó Dona Florinda, que bom está o tempo hoje!
E assim começa a manhã soalheira da vizinhança. É sexta-feira, dia de trocar os lençóis e limpar a casa a fundo. Já dizia o meu avô: “Cama feita, chão varrido, loiça lavada. Casa arrumada!”. Como se aquilo fosse uma reza ou religião! Afinco o guarda-roupa, ponho-me a preceito e molho o pano de linho ao balde antigo. A água tem de estar quente para tirar as gorduras.
Sempre que olho para o fundo do corredor assoa-me aquela lágrima incomodativa de recordar quando os netos ainda eram gaiatos. Não deixo o pó chegar aos armários, nem sequer o pelo dos gatos. Apronto-me de manhã cedo quando ainda o dia não sabe ser dia.
A carripana do pão ainda não chegou. O Tiago do talho já está a vir. A ambulância veio pôr de novo a comida à velhota do 31. Está tão velha que nem sei como ainda dá conta dos seus afazeres. A Rosa das flores trouxe molhos de margaridas! Tenho mesmo de lá passar para ir assear a campa.
A janela é o meu conta histórias. A janela é o meu imaginário e por ele vejo o mundo. Falando nisso tenho de pedir ao Senhor Jorge para pintar aqui a soleira já está toda negra! Ainda a pintei há meia dúzia de meses, meu deus!
– Enfim… então e o rádio porque é que não toca? Todos os dias oiço rádio, não é só pela janela que sei da vida dos famosos. Não, não! Gosto de escutar a música de forma gradual. O volume tem de estar sempre em números pares, senão apoquento-me!
Espera aí, falta-me alguma coisa. Ah, esqueci-me! Então deixei a caçoila com a sopa a fazer. Deixa-me ir lá apagar o lume porque senão “casa roubada, trancas à porta”.
– Trim, trim!” – toca a sineta já gasta com o tempo.
– Já vou, já vou. – grito.
Volto a interromper o ritual. O pão já chegou quentinho. Os passos ouvem-se de fundo. Pouso o trigo na mesa e tento lutar contra o tempo. Já não me resta muito, com tantas distrações vou a ver o relógio e já são quase meio-dia. Neste vai e volta, esfrego e limpo os quartos. Só tenho dois, mas também não preciso de mais. Já me canso com esta casa.
A televisão deixou de funcionar ontem. Já lhe mandei a arranjar, mas dizem-me que tenho de comprar outra. Pensam mesmo que com os tostões que recebo da reforma me dá para comprar outro mono. Este país vai de mal a pior.
As sardinhas do São Pedro já cheiram bem. Afinal faltam dias para a festa. Os preparativos para as marchas já estão em andamento. Pedem-me sempre para coser a vestimenta das senhoras e eu, prontamente, me ponho a jeito.
– Se ganho alguma coisa? Nada. Ninguém me paga nada. Ao menos se agradecessem. Mas também não preciso de agradecimento. Sei do que faço.
Vejo-me subscrita aos meus pensamentos. Os quartos já secaram com o sol. A sala está praticamente arrumada e a cozinha passo-lhe o chão quando acabar de fazer o almoço.
A música que toca na rádio já não é daquelas como antigamente. Já não se fazem grandes Amálias Rodrigues e Alfredos Marceneiros, agora é tudo lixo. Nada presta, nem me ralo muito com isso. Já nem ligo a televisão é só desgraça.
– Está feita a entrevista? Eu não sei falar muito bem, mas tentei dar o meu melhor. Isto vai passar aonde? No canal? Não querem comer nada? E beber? Vai um cafezinho?
Alberto Couto