A França atravessa um período conturbado na sua Quinta República. Desde o início do segundo governo de Emmanuel Macron, o país tem visto uma sequência inédita de governos breves, marcada por conflitos internos e pela crescente dificuldade do presidente em construir uma base parlamentar unida.
O caso mais recente envolveu Sébastien Lecornu, nomeado Primeiro-Ministro em 9 de setembro de 2025, após a saída de François Bayrou. O seu governo, anunciado na noite de 5 de outubro, durou cerca de 14 horas, desmoronando face a uma onda de críticas e abandonos políticos, tornando-se o executivo mais curto da história da Quinta República. Lecornu apresentou formalmente a sua demissão no dia 6 de outubro, sendo renomeado poucos dias depois numa tentativa de Macron para restabelecer alguma estabilidade institucional.
A curta passagem de Lecornu pelo governo é apenas o sintoma mais recente de uma crise prolongada. Antes dele, Élisabeth Borne (2022–2024) já tinha enfrentado enormes dificuldades para governar com uma maioria relativa na Assembleia Nacional, recorrendo de forma consistente ao artigo 49.3 da Constituição, ferramenta que permite aprovar leis sem votação parlamentar. Essa prática, embora legal, prejudicou a legitimidade política do executivo e aumentou o desgaste do “macronismo” perante a opinião pública.
Entre 2017 e 2025, Macron nomeou sete primeiros-ministros: Édouard Philippe (maio 2017–julho 2020), Jean Castex (julho 2020–maio 2022), Élisabeth Borne (maio 2022–janeiro 2024), Gabriel Atal (janeiro 2024–setembro 2024), Michel Barnier (setembro 2024– dezembro 2024) François Bayrou (dezembro 2024– setembro 2025) e Sébastien Lecornu (setembro 2025– outubro 2025). Todos enfrentaram momentos de crise diferentes, dos coletes amarelos à pandemia e, agora, ao impasse parlamentar, mas todos compartilharam uma mesma característica: a fragilidade política crescente do centro francês.
Fragmentação partidária e lutas internas.
A instabilidade do executivo mostra a profunda mudança no sistema partidário francês. O partido presidencial, Renaissance, tem divisões internas entre o setor liberal-progressista e os moderados mais próximos do centro-direita tradicional.
À direita, Les Républicains (LR) vivem uma crise de identidade. A proposta do presidente do partido, Éric Ciotti, de formar uma aliança com o Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen, causou uma divisão pública e fortes críticas de líderes como Bruno Retailleau, Laurent Wauquiez e Gérard Larcher, que acusaram Ciotti de “deslealdade” por trair os valores fundadores da direita republicana.
À esquerda, a coligação NUPES, que une socialistas, ecologistas e a France Insoumise de Jean-Luc Mélenchon, também está dividida. As divergências sobre a estratégia em relação ao governo e sobre o papel da oposição dificultam a criação de uma alternativa sólida.
Os desafios de Macron.
Emmanuel Macron enfrenta, portanto, um triplo desafio: a diminuição da legitimidade política, a divisão do campo partidário e a falta de um caminho estratégico para o seu segundo mandato. A perda da maioria parlamentar após as eleições de 2024 tornou o governo dependente de negociações constantes e instáveis. Cada mudança ministerial é menos um ato de reforma e mais um esforço de sobrevivência política.
O cenário desafiador na França não se resume a um momento passageiro. Ele reflete um problema mais profundo: a fragilidade na organização dos partidos e o afastamento cada vez maior entre as decisões do governo e a população. O “macronismo”, que surgiu com a ideia de unir diferentes correntes políticas, paradoxalmente sofre com a falta de apoio político que ele mesmo tentava resolver.
Texto: Marco Leite