Um turco na Luz, um bilhete para a Champions|SL Benfica 1-0 Fenerbahçe SK

Um turco na Luz, um bilhete para a Champions|SL Benfica 1-0 Fenerbahçe SK

O Benfica garantiu, esta quarta-feira, a presença na fase regular da Liga dos Campeões ao vencer o Fenerbahçe por 1-0, no Estádio da Luz. O golo decisivo foi apontado por Kerem Aktürkoglu, aos 35 minutos, num encontro em que as águias dominaram durante largos períodos, viram dois golos anulados e geriram a vantagem na segunda parte frente a uma equipa de José Mourinho que pouco conseguiu criar, acabando reduzida a dez unidades após a expulsão de Anderson Talisca.

Ora, o Estádio da Luz apresentava-se como um anfiteatro romano na noite em que o Benfica jogava não apenas a sua entrada na Liga dos Campeões, mas também um futuro financeiro e institucional que dependia de noventa minutos contra o Fenerbahçe, de José Mourinho. A eliminatória estava empatada, a pressão era total e o ambiente no estádio refletia isso mesmo: bandeiras agitadas, cânticos incessantes e um nervosismo palpável, daqueles que se sentem até nos ossos.

Desde o início percebeu-se que as águias vinham com uma missão clara. Ao contrário do que se tinha visto em Istambul, onde o pragmatismo levou a equipa a atacar com poucos, Bruno Lage lançou um onze mais ambicioso, sobrecarregando a zona central do terreno. Leandro Barreiro, a novidade no meio-campo devido ao castigo de Florentino, surgia solto, numa rotação constante que lhe permitia pressionar alto e aparecer em zonas de finalização. O luxemburguês seria, aliás, uma das figuras da noite, pela entrega, pela omnipresença e até pelas falhas que também marcaram o seu jogo.

Logo aos três minutos, o aviso soou alto na Luz. Pavlidis fugiu pela esquerda, cruzou atrasado e deixou Barreiro frente a Livaković. O médio apareceu impetuoso, mas o guarda-redes croata respondeu com uma mancha soberba. A Luz gritou golo antes de tempo e engoliu um suspiro de frustração logo depois. Seria o primeiro de muitos momentos assim: a equipa a criar, a encostar o adversário às cordas, mas a pecar no detalhe final.

Pouco depois, num canto estudado, António Silva apareceu a cabecear e Pavlidis desviou para dentro da baliza. A explosão dos adeptos durou pouco tempo: o VAR chamou o árbitro e confirmou a irregularidade, com Barreiro em posição proibida a interferir na jogada. A indignação encheu as bancadas e inflamou os jogadores. O jogo ganhava já contornos de drama.

Não tardou a repetir-se o enredo. Livre largo para a área, Barreiro cabeceou com convicção, mas o árbitro considerou que empurrara o adversário antes de marcar. Novo golo anulado, nova tempestade nas bancadas. O Benfica dominava quase por completo, asfixiava o adversário sem bola, criava oportunidades em série, mas faltava sorte e alguma competência na definição do último passe.

Do outro lado, o Fenerbahçe mostrava-se, de forma não surpreendentemente para quem o assiste regularmente, pobre. Mourinho apostava num jogo direto, lançando constantemente bolas longas em busca de En-Nesyri, mas sem qualquer critério. Fred tentava ser o elo de ligação, esforçava-se para segurar a bola e ligar o meio-campo, mas era o único a remar contra uma maré turca demasiado passiva para quem sonhava com a Liga dos Campeões.

Foi nesse contexto que surgiu o momento decisivo da noite. Ao minuto 35, numa jogada de insistência, Barreiro recuperou e soltou a bola na esquerda. Kerem Aktürkoglu, o jogador em torno de quem girara toda a novela de verão, foi quem recebeu. Frente ao clube que tanto o desejou, disparou com frieza, um remate seco que encontrou o fundo das redes. O estádio explodiu, mas o próprio não celebrou. Sem sorrisos nem gestos exuberantes, parecia quase pedir desculpa aos adeptos. Ironia do destino: o turco, apontado ao Fenerbahçe, colocava o Benfica nos milhões da Champions à custa dos próprios turcos.

A primeira parte terminou com uma sensação agridoce. O Benfica dominara por completo, criara ocasiões, vira dois golos anulados e estava em vantagem, mas só por 1-0. Barreiro, motor e protagonista de quase todas as ações ofensivas, acumulava méritos e culpas: tanto a intensidade na pressão como as falhas na finalização e os golos anulados lhe pertenciam. Ao intervalo, sentia-se que as águias poderiam ter resolvido cedo a eliminatória, mas não o fizeram.

A segunda parte trouxe outro ritmo. O Benfica, consciente da vantagem mínima e do peso da eliminatória, entrou mais contido, recuou alguns metros e passou a gerir o jogo com mais racionalidade. Era o pragmatismo que Bruno Lage pedira na antevisão: mais razão, menos emoção.

Ainda assim, as melhores oportunidades continuaram a pertencer às águias. António Silva voltou a aparecer solto na área, cabeceando para defesa atenta de Livaković. O central, em clara evolução, mostrava, assim, não só segurança defensiva como presença ofensiva assídua.

Mourinho, inquieto no banco, começou a mexer. Entraram Aydin e Jhon Durán e a equipa turca subiu no terreno. Foi nesse período que se viveu o maior susto para a Luz. Aos 72 minutos, um cruzamento perfeito encontrou En-Nesyri no coração da área. O marroquino cabeceou com estrondo, mas a bola embateu na trave. Um verdadeiro oásis num deserto ofensivo turco.

Apesar desse lance, a sensação geral era clara: o Benfica dominava os duelos aéreos, controlava as segundas bolas e tinha uma superioridade notória em todos os aspetos físicos e táticos. Nicolás Otamendi, com uma leitura impecável, antecipava-se a tudo o que lhe surgia pela frente. Richard Ríos, cada vez mais entrosado, somava recuperações e mostrava simplicidade no passe. Fredrik Aursnes, com a sua polivalência, equilibrava como um verdadeiro canivete suíço.

O jogo caminhava para o fim quando Talisca, um dos regressados à Luz, decidiu complicar ainda mais a vida ao seu Fenerbahçe. O brasileiro, já carregado de tensão, viu dois amarelos em três minutos — primeiro por travar uma transição, depois por uma cotovelada desnecessária. Expulso, deixou os turcos reduzidos a dez e entregou o controlo total ao Benfica. Curioso destino: quem em tempos vestira a camisola encarnada saiu de cena como vilão.

Os últimos minutos foram de gestão. O Benfica recuou, circulou, deixou correr o tempo. Já não havia perigo vindo do adversário, completamente inofensivo com bola e sem criatividade. A equipa de Lage cumpria assim a sua obrigação: manter a vantagem mínima, assegurar o apuramento e garantir a entrada nos cofres de um valor que ronda os 45 milhões de euros.

No final, ficou a clara sensação de que o Benfica só não venceu por uma margem maior porque lhe faltou eficácia no momento da decisão. O domínio foi absoluto, a organização defensiva inquestionável e a intensidade no meio-campo irrepreensível. Foi, acima de tudo, um triunfo de racionalidade: gerir emoções, impor-se fisicamente, adaptar-se ao jogo do adversário e, quando foi preciso, ter a frieza de matar a eliminatória.

Kerem Aktürkoglu tornou-se a figura incontornável. Não apenas pelo golo decisivo, mas pela narrativa que o envolveu: o homem que podia ter trocado a Luz por Istambul foi o carrasco da equipa turca. Ironia suprema, símbolo perfeito da noite. Ao seu lado, Barreiro destacou-se pela entrega inesgotável, apesar das limitações técnicas que ainda carrega. Pavlidis, sempre atento e inteligente nos movimentos, deu profundidade e trabalhou para os colegas. E, atrás, a muralha voltou a funcionar: sete jogos oficiais esta época, zero golos sofridos.

O Benfica carimbou, assim, a sexta presença em sete anos na fase regular da Liga dos Campeões. Mais do que um simples apuramento, foi a confirmação de um projeto que se reergue com peças novas, reforçado por contratações certeiras e pela experiência de quem sabe sofrer. Na Luz, nesta noite, não se jogava apenas futebol. Jogava-se futuro, jogava-se dinheiro, jogava-se prestígio. E o Benfica ganhou em todas as frentes.

                       Homem do jogo:

                 

                     Kerem Aktürkoglu.

Não foi o mais brilhante em campo, mas acabou por ser, efetivamente, o mais decisivo e determinante. Depois de um verão marcado por rumores e pela transferência falhada para o Fenerbahçe, estava destinado a ser uma das figuras centrais desta eliminatória. Enérgico como sempre no ataque do Benfica, insistente até encontrar a brecha, acabou por ditar o desfecho da história não pela famosa “lei do ex”, mas pela lei do amante traído. Num jogo onde não exibiu a sua melhor versão, surgiu no momento certo, no sítio certo, e resolveu o destino de uma eliminatória que parecia feita à sua medida.

Texto: Raúl Saraiva

Imagem: @slbenfica