Terminada a prova, venha de lá o balanço da Primeira Liga

Terminada a prova, venha de lá o balanço da Primeira Liga

Chegou ao fim mais uma edição da Primeira Liga portuguesa e, na minha ótica, foi um dos melhores campeonatos que tivemos até agora em termos competitivos, uma vez que, a nível de qualidade de jogo, foi sempre algo nivelado por baixo. 

Ainda assim, a verdade é que tivemos várias lutas a decorrer, literalmente, até à última jornada. Desde logo, quem viria a sagrar-se campeão, assim como o terceiro lugar, a luta pela Liga Conferência e até a luta pela manutenção, com quatro conjuntos terem a possibilidade de descer, de forma direta, para a Segunda Liga, na derradeira jornada do campeonato. 

Deste modo, a edição de 2024/25 da Liga Portugal Betclic revelou-se uma das mais emocionantes dos últimos anos, marcada por uma imprevisibilidade constante que manteve em aberto o desfecho até ao fim. Ao longo da temporada, foi palco de inúmeros momentos memoráveis, que deram corpo a várias histórias dignas de registo.

A luta pelo título 

Ora, relativamente ao título propriamente dito, os protagonistas desta temporada foram os mesmos da época passada: Sporting CP e SL Benfica. 

O Sporting entrou na época com um ritmo demolidor, somando, depois da derrota na Supertaça frente ao FC Porto (4-3), onze vitórias consecutivas e assumindo-se desde cedo como o principal favorito à conquista do título. No entanto, um episódio fora de portas viria a abalar essa trajetória: uma derrota do Manchester United FC frente ao West Ham, na Premier League, precipitou a saída de Erik Ten Hag e abriu caminho à contratação de Ruben Amorim. O treinador português, então com 39 anos, abandonou os leões após quatro épocas, deixando o comando técnico nas mãos de João Pereira, que assumiu o desafio de liderar a equipa de Alvalade numa fase decisiva da temporada.

A mudança no comando técnico abalou a estabilidade do Sporting, que perdeu fulgor e acabou por escorregar diante de CD Santa Clara, Moreirense FC e Gil Vicente FC. Esses deslizes custaram caro, permitindo ao Benfica capitalizar e assumir a liderança do campeonato. A pressão acumulou-se sobre João Pereira, que acabaria por ver o seu contrato rescindido por mútuo acordo. 

Para o seu lugar, os leões apostaram em Rui Borges, que vinha a destacar-se ao serviço do Vitória SC. Com a chegada do treinador natural de Mirandela, o Sporting recuperou a consistência e regressou ao topo da tabela após uma vitória decisiva no dérbi disputado em Alvalade, logo no seu primeiro jogo. 

Apesar da liderança recuperada, o mercado de janeiro revelou-se aquém das necessidades do Sporting. As únicas entradas foram a de Biel, extremo-esquerdo, e Rui Silva, guarda-redes que representou uma melhoria evidente face a Franco Israel. Contudo, o plantel carecia de mais soluções, especialmente numa fase em que as lesões se acumulavam desde novembro. Daniel Bragança, Hidemasa Morita, João Simões, Nuno Santos e, sobretudo, Pedro Gonçalves — ausente durante quase toda a primeira volta — foram baixas de peso numa equipa que precisava de profundidade.

Na segunda metade do campeonato, os leões voltaram a tropeçar, com deslizes frente ao AVS SAD fora de casa(depois de estarem a vencer por 0-2, os leões deixaram-se empatar, sendo que, para isso, muito contribuiu uma expulsão completamente ingénua por parte de Ousmane Diomande) e contra FC Arouca e SC Braga. em Alvalade. Porém, apesar das contrariedades, nomeadamente a nível de lesões, o Sporting manteve-se firme na luta pelo título até às últimas jornadas, com Viktor Gyökeres, Francisco Trincão e Morten Hjulmand a assumirem protagonismo numa equipa que se mostrou sempre bastante resiliente e ambiciosa.

@mediaassettype

Do outro lado da segunda circular, o início de época do Benfica foi tudo menos tranquilo. Roger Schmidt, técnico alemão que iniciara a temporada no comando das águias, somou apenas quatro jogos — duas vitórias, um empate e uma derrota — deixando a equipa na 7.ª posição da tabela. Consciente da urgência da situação, Rui Costa tomou uma decisão difícil: despediu Schmidt e apostou no regresso de Bruno Lage, numa tentativa clara de reeditar o espírito da “reconquista” de 2018/19.

Lage teve um impacto imediato positivo, mas enfrentou momentos delicados ao longo da época. Derrotas frente a Casa Pia AC, SC Braga e AVS, somadas à polémica dos áudios divulgados publicamente, ameaçaram a estabilidade do treinador no clube. Ainda assim, o técnico conseguiu unir o grupo e restaurar a confiança com uma vitória decisiva na Taça da Liga frente ao Sporting, no desempate por grandes penalidades, que devolveu ânimo ao plantel e à massa adepta.

O mercado de inverno foi bem aproveitado. Entraram Bruma, Samuel Dahl e Andrea Belotti, reforços que responderam às carências identificadas, com exceção do tão desejado lateral-direito, ainda que o sueco tenha desempenhado essa função algumas vezes, intercalando com Tomás Araújo, muito por causa da lesão grave sofrida por Alexander Bah. A partir daí, o Benfica arrancou para uma impressionante sequência de nove vitórias consecutivas, com destaque para as exibições de Orkun Kökçü, peça-chave no meio-campo, e também de Álvaro Carreras e Vangelis Pavlidis, ambos em grande plano.

A confirmação do bom momento surgiu com uma vitória por 1-4 no Dragão, frente ao FC Porto, enquanto o Sporting empatava em casa frente ao SC Braga, permitindo ao Benfica recuperar a liderança. Porém, essa vantagem durou pouco: na jornada seguinte, um empate sofrido frente ao Arouca, nos instantes finais, devolveu o topo da classificação ao Sporting, de Rui Borges.

O campeonato ficou então suspenso até ao tão aguardado dérbi de 10 de maio de 2025, no Estádio da Luz — apelidado por muitos como o “dérbi do século”. As duas equipas estavam empatadas com 78 pontos. O Sporting precisava de vencer para revalidar o título, enquanto o Benfica tinha de triunfar por dois golos para levantar o troféu. O jogo terminou empatado a uma bola, adiando, assim, todas as decisões para a derradeira jornada.

Na última ronda, o Benfica viajou até Braga, mas não dependia apenas de si. Empatou 1-1, enquanto o Sporting, em Alvalade, bateu o Vitória SC por 2-0. Os leões sagraram-se bicampeões nacionais… 71 anos depois da última vez que o tinham conseguido.

@wikisporting

No fundo, o campeonato acabou a premiar o Sporting e, como acontece sempre, há quem ache justo e quem ache injusto. Há quem diga que foi à conta de Gyökeres, que ele ganhou a Liga sozinho, e quem sustente que o sueco fazia parte da equipa e que haverá mérito em tê-lo descoberto, trabalhado e desenvolvido um modelo capaz de o aproveitar. 

Há quem defenda que foi graças a Amorim, que ele já nem lá está, antecipando à conta disso um futuro negro, como há quem responda que o escudo de campeão se mantém na verde e branca apesar da deserção do ex-treinador e que foi preciso aguentar a equipa sem ele em 23 das 34 jornadas.

Há quem veja no futebol leonino méritos excessivamente defensivos, pensamento pequeno à espera de ser denunciado, designadamente nas segundas partes, como há quem responda que no meio da onda de lesões que assolou este plantel esta seria, provavelmente, a única forma de ganhar. Há até, vá lá ter-se paciência para isso, quem ache que foram as arbitragens, os adversários que facilitaram, a sorte do jogo, como há quem riposte que foi apesar das arbitragens, dos adversários que dificultaram em excesso e do azar. 

A todos digo a mesma coisa. O Sporting foi um campeão justíssimo, como o teria sido o Benfica acaso tivesse ganho aos leões na penúltima jornada e depois em Braga – o que não fez, nem uma coisa nem a outra. E foi um justíssimo campeão graças a valores menos charmosos do que os que caraterizavam a equipa que abriu a época, mas valores igualmente importantes. Falo da resiliência, da adaptabilidade, da coesão de todo o grupo e do espírito de luta próprio de quem quer defender aquilo que tanto lhe custara a ganhar.

É hoje mais ou menos consensual que o embalo que trazia o Sporting, de Ruben Amorim, teria transformado esta Liga numa espécie de passeio. Não é possível prová-lo, mas é uma ideia que também não tenho grandes dificuldades em assinar por baixo. As onze vitórias em outros tantos jogos, os 39 golos marcados para cinco sofridos, a maneira como a equipa desfazia a oposição a cada semana, sem grandes dificuldades, fazia prever um bicampeonato tranquilo. 

No final, contudo, a Liga foi renhida, ganha à conta de um golo depois da hora no antepenúltimo jogo, ao Gil VicenteFC, de uma bola no poste da baliza leonina no penúltimo, frente ao Benfica, e de alguma carga nervosa no fecho, contra o Vitória SC. Foram estas peripécias que popularizaram a narrativa de um título mais sofrido que bem jogado e que diminuíram o que foi conseguido por Rui Borges, o treinador que acabou a temporada.

Ora, desde o momento em que Rui Borges assumiu o comando técnico, o Sporting deixou de ser aquela equipa esmagadora do início da época com Rúben Amorim, mas também nunca mais foi o conjunto à deriva, sem rumo nem identidade, que se viu sob o comando interino de João Pereira. Tornou-se, isso sim, uma equipa coesa, determinada a responder ao abandono do seu líder espiritual com união, caráter e vontade inabalável de vencer. Esse espírito competitivo, forjado na adversidade, foi a essência da caminhada para o título.

O mérito é sempre, inevitavelmente, dos jogadores — mas também é verdade que esses mesmos jogadores já lá estavam nos momentos mais difíceis e, por si sós, não conseguiram inverter a maré. Rui Borges, apesar de alguns deslizes na comunicação — o episódio do “trapalhão” com Conrad Harder, as palavras infelizes no pós-jogo com o Gil Vicente ou o desejo vincado dos jogadores do Vitória SC em vencer o Sporting —, conseguiu unir o grupo. 

Isso ficou evidente em dois momentos simbólicos da festa: o abraço sentido com o jovem avançado dinamarquês ainda na relva de Alvalade, um dos que mais sofreu com a rigidez tática que marcou certa fase da época, e, mais tarde, já na euforia do Marquês, o gesto cúmplice de Pedro Gonçalves, que lhe roubou o microfone para o chamar “o campeão da tasca” — uma resposta descontraída, mas certeira, às críticas que o técnico vinha a enfrentar. A tal ponto que a frase que Rui Borges usou de seguida — “Vamos festejar para a taberna” — até pareceu dispensável. Há alturas em que a humildade aproxima, mas também momentos em que é preciso assumir a grandeza. Rui Borges, se quiser continuar a crescer e a construir uma verdadeira obra de autor, terá de abandonar gradualmente essa modéstia excessiva.

Este Sporting revelou-se, acima de tudo, uma equipa resiliente e versátil. Soube sobreviver a uma vaga de lesões absolutamente atípica, que retirou ao treinador, em simultâneo, os quatro médios inicialmente previstos para formar a dupla do miolo e os dois primeiros promovidos da equipa B. Rui Borges fez também o seu caminho de aprendizagem, reencontrando o 3-4-3, sistema mais natural para este grupo de jogadores. Começou com uma abordagem mais cautelosa, demasiado presa, num 4-2-3-1, mas foi ganhando confiança e, com o tempo, libertou as alas, devolvendo protagonismo a jogadores mais fortes no um contra um.

Apesar de continuar a depender muito do poder de decisão de Viktor Gyökeres — que surpreendeu ao elevar ainda mais o seu impacto em relação à primeira época —, o Sporting de Rui Borges foi evoluindo. A base de jogo algo cinzenta do início da sua era foi dando lugar a um coletivo mais fluido e imprevisível. No arranque, houve mesmo jogos em que o Sporting teve menos posse de bola do que o adversário — três em seis, algo pouco comum no ADN leonino. Mas, à medida que a confiança se foi instalando, os sinais de crescimento tornaram-se evidentes.

Gevonay Quenda e Trincão acusaram algum desgaste na reta final, fruto da utilização intensiva numa fase em que escaparam às lesões. Já Zeno Debast, adaptado ao meio-campo, brilhou ao ponto de se posicionar como candidato a titular na final da Taça de Portugal, face à irregularidade exibicional, nos últimos tempos, de Hidemasa Morita. Nas alas, Rui Borges apostou em Geny Catamo e Maxi Araújo, deixando de lado opções mais conservadoras como Iván Fresneda e Matheus Reis. E no eixo defensivo percebeu a importância de ter centrais com capacidade de construção — quer com bola no pé, como Eduardo Quaresma, quer com passe vertical, como Gonçalo Inácio.

Posto isto, o Sporting que fechou a temporada pode, à primeira vista, parecer um campeão aquém do esperado, sobretudo quando comparado com o arranque demolidor sob o comando de Rúben Amorim. Mas essa perceção é superficial e, acima de tudo, injusta. É fácil cair na tentação de julgar apenas o brilho final, ignorando as nuances e obstáculos de uma época longa e exigente. Não só esse mesmo Sporting inicial acabou por perder a Supertaça para um FC Porto rotulado como o pior desde os primórdios da era Pinto da Costa, como é profundamente redutor catalogar o campeão como o “menos mau entre os fracos”, como por vezes se lê e ouve.

Este Sporting, de Rui Borges, foi muito mais do que isso. Não foi um campeão perfeito, nem uma máquina demolidora. Mas foi uma equipa que soube sobreviver, adaptar-se e crescer nas adversidades. Que perdeu peças nucleares por lesão, que viu o seu rumo abalado por uma mudança de treinador a meio da caminhada, que foi obrigada a reinventar-se taticamente mais do que uma vez. E ainda assim, foi aquela que chegou ao fim com mais pontos, mais consistência e, acima de tudo, com mais alma.

Não foi o campeão mais exuberante — mas foi, sem margem para dúvidas, o mais competente. E, em termos puramente futebolísticos, o melhor conjunto da Liga.

Em suma, este Sporting foi o retrato de um grupo que, sem ser brilhante do ponto de vista estético, soube crescer com as dificuldades e reinventar-se sempre que foi preciso. Foi campeão porque soube adaptar-se. Porque não se perdeu nos momentos maus. E porque, com Rui Borges ao leme, nunca deixou de acreditar.

A “guerra” pelo terceiro lugar

Verdade seja dita, apesar do, na altura, idílico mercado de verão, poucos apontavam o FC Porto como um candidato sério ao título. O clube atravessava uma nova era, com uma mudança na liderança e objetivos mais contidos — garantir um lugar na Liga dos Campeões era, realisticamente, a principal meta. 

No entanto, a forma como os dragões se movimentaram na janela de transferências surpreendeu e criou expectativas de que o Porto pudesse ser uma das surpresas do campeonato. Chegaram reforços de peso: SamuAghehowa, Fábio Vieira, Francisco Moura, Nehuén Pérez e Tiago Djaló. Rodrigo Mora foi promovido à equipa principal e Diogo Costa manteve-se na baliza, o que foi, por si só, uma vitória significativa. A conquista da Supertaça frente ao Sporting, num jogo louco que terminou 4-3, parecia indicar um arranque prometedor.

Na Liga, a equipa somava seis vitórias consecutivas após a derrota em Alvalade por 2-0, mas voltou a fraquejar com estrondo, ao ser goleada por 4-1 na Luz. Ainda assim, na última jornada da primeira volta, os portistas podiam alcançar a liderança, mas desperdiçaram a oportunidade ao perder por 2-0, na Madeira, frente ao CD Nacional.

E janeiro trouxe novos problemas: a derrota em Barcelos por 3-1, frente ao Gil Vicente, foi o ponto de rutura. Vítor Bruno acabou despedido, não tanto pelos resultados, mas por ter perdido o controlo do balneário. 

Além disso, Wenderson Galeno e Nico González deixaram o plantel, retirando-lhe qualidade e profundidade, e praticamente hipotecando as hipóteses de sucesso desportivo.

Villas-Boas apostou, então, em Martín Anselmi, treinador argentino adepto do 3-4-2-1. À semelhança do que aconteceu com Ruben Amorim no Manchester United, Anselmi chegou num momento difícil e sem margem para moldar o plantel a seu gosto. É verdade que conseguiu manter o FC Porto na luta pelo terceiro lugar, mas pedia-se muito mais, tanto a nível de resultados (quando chegou, estava a quatro pontos da liderança, e ficou a onze), como do ponto de vista exibicional. 

Para isso, muito contribuíram perdas de pontos em campos como a Reboleira, Vila do Conde e até no Dragão, frente ao Vitória SC. Com pragmatismo, adaptou-se às circunstâncias e alcançou o objetivo mínimo, muito por culpa dos deslizes do SC Braga na reta final.

@skoiy

Do lado minhoto, o SC Braga sofreu um claro decréscimo de qualidade em relação à época anterior. Saíram figuras como Álvaro Djaló, Al Musrati, Simon Banza e Abel Ruiz, e os reforços não entusiasmaram: El Ouazzani, Roberto Fernández e Gabri Martínez não corresponderam às expectativas. Daniel Sousa foi despedido após duas jornadas, sem uma justificação concreta, e substituído por Carlos Carvalhal. A equipa estava atrás do Santa Clara e o futebol praticado era pobre. Muitos dos reforços vinham de divisões inferiores e não estavam preparados para o nível exigido.

O mercado de janeiro revitalizou o conjunto bracarense. Fran Navarro trouxe experiência e golo, Uroš Račić foi um reforço crucial para o meio-campo, e Lukas Horníček assumiu-se na baliza, relegando um Matheus Magalhães em claro declínio. A promoção de Francisco Chissumba veio resolver os problemas na lateral esquerda, sendo claramente superior a Adrián Marín e Yuri Ribeiro. Com a eliminação precoce na Liga Europa, o Braga pôde focar-se no campeonato e, em abril, chegou mesmo ao terceiro lugar, ultrapassando o FC Porto.

Contudo, os deslizes frente a FC Famalicão, Santa Clara e Casa Pia deitaram por terra essa recuperação. Ainda assim, há a destacar um feito notável: o SC Braga foi a única equipa a vencer no Estádio da Luz ao longo da temporada.

A corrida pela Liga Conferência 

O Santa Clara foi, sem margem para dúvidas, a equipa revelação da temporada. Campeões da Liga 2, os açorianos apresentaram um futebol que, apesar de não ser assim tão vistoso, foi competitivo, intenso e organizado, surpreendendo tudo e todos ao alcançar uma das posições cimeiras da tabela classificativa. Ver uma equipa recém-promovida da Segunda Divisão a garantir um lugar nas competições europeias é um feito raro — e notável.

Gabriel Silva, Vinícius Lopes, Sidney Lima, Luís Rocha e o guarda-redes Gabriel Batista foram peças-chave neste percurso. O Santa Clara foi, aliás, a primeira formação a impor uma derrota ao Sporting no campeonato, e chegou mesmo a ocupar o 4.º lugar à 12.ª jornada. Acabou por fechar a época no 5.º posto, com 56 pontos, superando o anterior recorde de 46, alcançado em 2020/21, e carimbou o regresso à Europa.

@rtp

Muito do mérito vai para Vasco Matos, que soube extrair o máximo de um plantel construído quase integralmente a custo zero. A luta pelo lugar na Conference League foi renhida, frente a um Vitória ambicioso, mas os açorianos selaram a qualificação na última jornada, tal como em 2020/21, ao vencerem o SC Farense. Uma época memorável para os adeptos do Santa Clara, que têm todos os motivos para se orgulhar.

Já o Vitória SC parecia, durante boa parte da época, o principal candidato ao 5.º lugar. A equipa de Guimarães combinava resultados sólidos na Liga com uma campanha europeia notável — terminou a fase de grupos da Conference League invicta e em 2.º lugar. À 10.ª jornada, os vitorianos ocupavam o 5.º lugar, a apenas dois pontos do Braga. Entre os momentos altos, destaca-se a vitória por 0-2 na Pedreira, quebrando um jejum de oito anos sem triunfos em Braga.

Jogadores como Alberto Costa, Samu Silva, Manu Silva, Tomás Händel e Kaio César brilharam especialmente na primeira metade da época. No entanto, janeiro trouxe um duro revés: Rui Borges saiu para o Sporting, e vários jogadores influentes — entre eles Manu Silva, Kaio César e Alberto Costa — transferiram-se para outros clubes. Do ponto de vista financeiro, essas saídas ajudaram a equilibrar contas, mas o impacto desportivo foi evidente.

Para colmatar as saídas, chegaram Umaro Embaló, Vando Félix e Filipe Relvas, reforços com algum nome, mas com pouco entrosamento imediato. (apenas Filipe Relvas mostrou o que valia realmente). Luís Freire assumiu o comando técnico e teve um início complicado, acumulando empates. Ainda assim, após a eliminação frente ao Real Bétis, na Liga Conferência, a equipa melhorou e venceu jogos importantes — como o 2-0 frente ao Santa Clara.

Contudo, a reta final foi marcada por nova quebra. A derrota caseira com o Farense hipotecou o apuramento europeu e a deslocação a Alvalade, que terminou em nova derrota, confirmou o desfecho: 6.º lugar e fora da Europa. Uma época com altos e baixos, em que o Vitória sonhou alto, mas não conseguiu manter o fôlego até ao fim.

O meio da tabela 

No miolo da tabela classificativa, o Famalicão terminou em 7.º lugar e acredito que a equipa tem potencial para alcançar patamares ainda maiores no futuro. Conta com jogadores de qualidade como Gustavo Sá, Óscar Aranda e Mirko Topić. Desde a época 2019/2020 que não terminavam tão bem classificados, pelo que penso que podem ambicionar a Europa. 

Começaram muito bem o campeonato, com três vitórias consecutivas, incluindo uma frente ao Benfica, mas entre setembro e janeiro só conseguiram vencer um jogo do campeonato. Passaram por mudanças no comando técnico e perderam Zaydou Youssouf no mercado de inverno. Foi um período difícil sem vitórias, mas conseguiram terminar com uma vitória frente ao Casa Pia, no último jogo da época, que lhes valeu o 7.º lugar.

No GD Estoril Praia, Ian Cathro foi uma aposta com muitas expectativas para esta temporada e, apesar de um início atribulado — destacando-se a eliminação precoce frente ao Lusitano de Évora, na Taça de Portugal —, a direção decidiu manter o treinador escocês, e a aposta acabou por compensar.

Os canarinhos encontraram, finalmente, estabilidade e fechou a época num sólido 8.º lugar, com uma série histórica de cinco vitórias consecutivas, algo que não acontecia há 76 anos. A equipa praticou um futebol atrativo e com identidade própria. Entre os destaques individuais estiveram Yanis Begraoui, Jordan Holsgrove, Felix Bacher e Vinícius Zanocelo.

@fcfamalicão

Já o Casa Pia foi outra equipa que me surpreendeu bastante durante a temporada. Desde o regresso à Primeira Liga, nunca tinham terminado tão bem posicionados. Na minha opinião, João Pereira foi o treinador revelação do ano. Chegou após conquistar o título da Liga 3 com o FC Alverca e trouxe uma identidade forte ao Casa Pia. Entre a 14.ª e a 18.ª jornada, a equipa chegou ao 6.º lugar, fazendo sonhar com um lugar europeu. No entanto, o mercado de janeiro trouxe perdas importantes, como Nuno Moreira, Beni Mukendi e Telasco Segovia, e a equipa acabou por terminar em 9.º lugar. Bateram o recorde de pontos desde a subida à Primeira Liga: 45 pontos, ultrapassando os 41 de 2022/2023, e alcançaram também o máximo de vitórias, com 12 triunfos.

Continuando agora para os lados de Moreira de Cónegos, o Moreirense é tradicionalmente muito forte em casa, mas esta época sofreu uma grande mudança. O clube perdeu o treinador Rui Borges e jogadores importantes Gonçalo Franco e Fabiano Souza. Apesar disso, César Peixoto conseguiu manter a equipa competitiva e, à 13.ª jornada, estavam em 7.º lugar, parecendo encaminhados para uma boa época. Contudo, após a vitória frente ao Sporting, entrou numa série de maus resultados e esteve várias jornadas sem ganhar até fevereiro. A direção decidiu então despedir César Peixoto e apostar em Cristiano Bacci, mas a mudança não surtiu o efeito desejado. O Moreirense terminou numa modesta 11.ª posição, uma queda considerável face ao 6.º lugar do ano anterior.

Em Vila do Conde, esta foi a primeira época sob a nova administração da SAD do Rio Ave, que começou a atuar em junho de 2024. Comparando com o regresso à Primeira Liga em 2022/2023, é evidente a evolução do clube, que terminou em 10.º lugar e fez uma boa campanha na Taça de Portugal, chegando às meias-finais, apenas eliminado pelo Sporting. Trouxeram jogadores de qualidade para o plantel, como Omar Richards, Jonathan Panzo, Cesary Mistza e, sobretudo, Clayton Silva, o 4.º melhor marcador do campeonato, com 14 golos apontados. Com maior orçamento e o investimento do novo proprietário Evangelos Marinakis, acredito que o Rio Ave poderá ambicionar patamares superiores e lutar por mais no futuro.

Na Serra da Freita, a época começou mal para o Arouca. Gonzalo García deixou a equipa no 14.º lugar, com a ameaça de descida bem presente. A chegada de Vasco Seabra foi decisiva: com ideias claras e um futebol positivo, conseguiu estabilizar o plantel e garantir a manutenção na Primeira Liga. Apesar das saídas de jogadores-chave no verão, como Rafa Mújica, CristoGonzález e Ignacio De Arruabarrena, Seabra soube motivar o grupo, contando com bons valores como JasonRemeseiro, Taichi Fukui e Alfonso Trezza. O Arouca ainda teve impacto na luta pelo título, ao dificultar as contas a Sporting e Benfica nas fases finais da temporadade ambos os conjuntos.

@rodaviva

Em Barcelos, o Gil Vicente viveu uma época atribulada, com a ameaça de descida a surgir a partir de março. A troca no comando técnico não ajudou à estabilidade. Deslocar-se a Barcelos para defrontar o Gil Vicente é sempre complicado — ali, o clube impediu tanto Sporting como FC Porto de vencer. As vitórias contra Nacional e Farense foram cruciais para manter a equipa na Primeira Liga. Félix Correia, Andrew e Mohammed Bamba foram alguns dos destaques da equipa, que acabou por se salvar.

Na Madeira, o Nacional foi visto durante muito tempo como um clube “iô-iô”, incapaz de se manter de forma consistente na Primeira Liga. À 12.ª jornada ocupava o 17.º lugar, zona de descida. Mesmo assim, a direção apostou na continuidade de Tiago Margarido, e essa decisão acabou por ser positiva. O Nacional venceu jogos decisivos contra adversários diretos na luta pela manutenção, como Boavista FC, AVS e Farense, o que permitiu aos insulares garantir a permanência na elite do futebol português.

A incerteza da manutenção 

Tal como na época passada, o CF Estrela da Amadora lutou até ao fim pela manutenção e conseguiu atingir o objetivo. Fez muito bem em trazer jogadores com experiência nos ditos “Três Grandes”, como Nani, Jovane Cabral, Alan Ruiz e também Ferro. Por mais incrível que pareça, a vitória em casa contra o FC Porto foi decisiva para o Estrela garantir a permanência na Primeira Liga por mais uma época. Se o AFS ou o Farense tivessem ganho apenas mais um dos seus jogos, o Estrela teria descido de divisão ou, pelo menos, ido ao play-off.

O AFS garantiu o lugar no play-off e cumpriu o objetivo mínimo na reta final do campeonato. Estreou-se na Primeira Liga e reforçou-se bem, com nomes como Guillermo Ochoa, Gustavo Assunção, Lucas Piazón e Zé Luís. A contratação de José Mota a duas jornadas do fim foi uma decisão algo inesperada, mas que resultou na vitória contra o Estrela na penúltima jornada. As derrotas do Farense e do Boavista na última jornada ajudaram a equipa da Vila das Aves a assegurar o 16.º lugar. No play-off, o AFS vai defrontar o FC Vizela. Nos últimos anos, a equipa que terminou em 3.º lugar na Segunda Liga tem conseguido vencer o clube que ficou em 16.º na Primeira Liga. Na minha ótica, isso tem acontecido, principalmente porque essa tal equipa da Segunda Liga está habituada a jogar para ganhar praticamente todos os jogos, enquanto a da Primeira joga quase sempre para o “pontinho”, isto é, para não perder. Será que esta “profecia” se vai manter?

O Farense acabou por descer de divisão. Não conseguiu somar pontos contra os rivais diretos na luta pela manutenção, mas duas vitórias na reta final, em casa contra o Famalicão e fora contra o Vitória SC, deram nova esperança ao conjunto de Faro. A derrota contra o Santa Clara confirmou a descida da equipa de São Luís ao segundo escalão do futebol português. O mercado de janeiro foi a última cartada para tentar salvar a época, com a chegada de jogadores sonantes como Rony Lopes, Tomás Ribeiro e Yusupha Njie.

@zerozero

Por fim, o Boavista terminou a época em último lugar, de forma triste. Desde o início que se sabia que ia ser difícil, pois não trouxeram, por impedimento da FIFA, reforços no mercado de verão e a constante troca de treinadores não ajudou. A maioria dos jogadores do plantel não tinha qualidade para a Primeira Liga. Em janeiro, surgiu uma luz de esperança: Fary Faye conseguiu levantar os FIFA Transfer Bans e, com a venda de Bruno Onyemachi, o presidente trouxe nove jogadores livres no mercado, entre eles nomes como Marco van Ginkel, Tomáš Vaclík e Kurzawa. Tal como o Farense, foi uma tentativa tardia para salvar a temporada, mas agiram demasiado tarde. Se tivessem podido se reforçar no verão, o desfecho poderiamuito bem ter sido diferente.

Chega, assim, ao fim mais uma temporada do campeonato português, e esta edição vai deixar saudades. Houve emoção e decisões até ao último dia. Espero que a próxima época seja tão ou mais interessante do que esta, com novos protagonistas confirmados: CD Tondela e Alverca, com o Vizela à espreita por um lugar na Liga Portugal Betclic 2025/2026.

VOZ DE BANCADA

Texto: Raúl Saraiva