PS e Livre: As semelhanças na Esquerda e as abordagens distintas para o futuro

PS e Livre: As semelhanças na Esquerda e as abordagens distintas para o futuro

Entre promessas ambiciosas e orçamentos realistas, o debate mostrou que o PS e o Livre concordam em muitos aspetos. Ainda assim, na hora de colocar a mão no bolso e no poder, a diferença é evidente. Mais ética, mais justiça social e menos “gastos exagerados”, foram os temas mais ouvidos.

O debate entre Pedro Nuno Santos (PS) e Rui Tavares (Livre) foi marcado, acima de tudo, pela diferença entre duas formas de encarar a governação. Por um lado, uma visão mais cautelosa e centrada na capacidade orçamental do país, e por outro, propostas mais ambiciosas e exigentes, que pretendem responder com maior intensidade aos problemas sociais. Rui Tavares deixou claro, desde início, o espírito com que entrava no debate. Pois pretendia, sobretudo, “uma conversa sobre o país, os problemas das pessoas – é para isso que servem os políticos.” Foi essa a linha que marcou o frente-a-frente com o PS, onde se notaram afinidades ideológicas, mas também diferenças na ambição das medidas e na forma de aplicar as soluções.

Logo no começo do mesmo, o tema da ética e da integridade na política foi ganhando destaque. Pedro Nuno Santos, visivelmente empenhado em clarificar a sua posição, afirmou que algumas denúncias contra o PS visam “intimidar o partido” e criar uma equivalência com Luís Montenegro (AD). Contudo, sublinhou que “não devem colocar-nos no mesmo saco”, acrescentando que já esclareceu as questões relativas às habitações que comprou. Rui Tavares, por sua vez, preferiu recentrar o debate no impacto das questões éticas na confiança pública. Elogiou o trabalho de procuradores, jornalistas e outras entidades que investigam casos de corrupção, e afirmou que cabe aos visados “mostrar tudo o que têm para mostrar”. Lamentou ainda o facto de a discussão sobre ética tenha ocupado mais tempo do que o suposto, mas a seu ver torna-se essencial manter os padrões elevados. Apontou também exemplos concretos associados à AD — como os casos da Solverde e da empresa Spinumviva — afirmando que Luís Montenegro, ao contrário de Pedro Nuno Santos, “não conseguiu esclarecer os factos — nem o poderia fazer, porque continuaram a surgir novas revelações”. E relativamente à corrupção no geral, o Livre propôs medidas institucionais para prevenção, como a criação de um Conselho Ético Independente. Sem esquecer, segundo o Livre, que “o objetivo é garantir que não há espaço para dúvidas”, comparando práticas em países como a Dinamarca ou a Nova Zelândia. Já Pedro Nuno Santos, reconheceu que houve avanços nos últimos anos, com mais meios e capacidade de investigação, e valorizou o combate à corrupção como essencial para a saúde da democracia.

No que toca à fiscalidade dirigida aos jovens, ambos os partidos partem de princípios semelhantes, embora apresentem propostas com diferenças significativas. O PS defende uma abordagem progressiva com contenção orçamental. Pedro Nuno Santos afirmou que “cinco mil euros é muito dinheiro” e que a proposta socialista pretende equilibrar apoio com responsabilidade: “O Estado deve ajudar, mas dentro das suas possibilidades”, reforçando que propostas realistas são essenciais para manter a confiança dos cidadãos. Já Rui Tavares criticou o desenho de algumas medidas, por não diferenciarem entre jovens com rendimentos elevados e jovens de classes médias ou mais vulneráveis. Num momento mais tenso, Pedro Nuno Santos sugeriu que o Livre queria subir o IRS jovem, algo que Rui Tavares refutou de forma imediata.

Apesar das diferenças, ficou claro que ambos os partidos reconhecem a importância de garantir condições mais favoráveis à autonomia dos jovens, mesmo divergindo na forma de concretização.
A discussão sobre alianças e votações estratégicas ocupou parte significativa do debate. Pedro Nuno Santos insistiu que o Livre teria mais influência num governo PS do que num executivo liderado pela AD. Deixou ainda um apelo ao chamado “voto útil”, pedindo que, em círculos eleitorais como Braga ou Aveiro, os eleitores não desperdicem o seu voto em partidos que podem não eleger deputados, de modo a evitar uma governação à direita. Rui Tavares discordou da lógica do “voto útil”, classificando-a como “derrotista” e respondeu com uma crítica direta: “O que o PS precisa é de recuperar os 25 mil votos que foram para a AD, e não de tirar os 50 mil que votaram no Livre.” Pedro Nuno reforçou, ainda assim, que a concentração de votos em certas regiões pode ser decisiva para impedir que a AD e o Chega reprovem uma solução governativa à esquerda.

No que diz respeito às políticas sociais, nomeadamente para a população idosa, o PS e o Livre mostraram convergência em várias áreas. Pedro Nuno Santos destacou o reforço do Complemento Solidário para Idosos (CSI), com aumentos extraordinários tornados permanentes, mesmo sem o apoio da AD. Defendeu ainda a aposta em equipas comunitárias de saúde — médicos, fisioterapeutas e outros profissionais — que acompanhem os idosos nas suas comunidades, reduzindo a pressão sobre as urgências e melhorando a qualidade de vida. Já Rui Tavares defendeu uma visão semelhante, propondo médicos nos lares e parcerias entre o Estado e as Câmaras Municipais. Quanto ao CSI, sugeriu que este se aproxime do valor do salário mínimo. Aproveitou ainda para deixar uma crítica ao PS: “Têm de perceber que os portugueses não querem o PS sozinho, com a sua arrogância.” Para terminar, Rui Tavares adicionou um ponto simbólico e ideológico — a importância do reconhecimento da Palestina como sinal de coerência na política externa.

O debate entre o PS e o Livre mostrou mais convergências do que divergências em termos de objetivos, mas diferenças claras na forma de lá chegar. O PS apresentou-se como força de governação com sentido de responsabilidade e pragmatismo, e o Livre destacou-se pela ênfase na integridade, na justiça social e em políticas de longo prazo. Num cenário político fragmentado, a relação entre estas duas forças pode vir a ser decisiva para o futuro da governação, e o debate deixou claro que, apesar das diferenças, há terreno comum para diálogo e compromisso.

Texto: Raquel Simões