“Um Oceano de Diferenças” O Frente-a-Frente entre Catarina Martins e Henrique Gouveia e Melo.

“Um Oceano de Diferenças” O Frente-a-Frente entre Catarina Martins e Henrique Gouveia e Melo.

No debate presidencial ocorrido no passado domingo 23 de novembro entre Catarina Martins e Henrique Gouveia e Melo, os dois candidatos destacaram-se pelas diversas divergências profundas sobre temas centrais como a legislação laboral, a saúde, a defesa e o uso do poder presidencial. A expressão “um oceano de diferenças”, que foi dita por Gouveia e Melo, emoldura perfeitamente como decorreu este debate.

O debate começou com Henrique Gouveia e Melo debatendo críticas iniciais a Catarina Martins, acusando-a de ter “um pé aqui e outro em Bruxelas” e de adotar uma declinação sofisticada do marxismo-leninismo. Segundo Gouveia e Melo, a sua adversária olha para a Constituição de forma e pretende intervir para impedir um governo de extrema-direita, caso Chega chegue ao poder. Por sua vez, Catarina Martins defendeu a legitimidade das suas escolhas políticas e a sua coerência. Garantiu que
cumpre a Constituição cuidadosamente e rejeitou a ideia de recuo nas suas convicções, afirmando que foi eleita precisamente por ter uma voz firme e transparente. Um dos pontos centrais do debate foi a reforma da lei laboral. Gouveia e Melo defendeu que não quer interferir diretamente nas negociações, mas afirmou que certos direitos não devem ser alterados em diferentes tipos de contrato.

Já por outro lado, Catarina Martins alertou para os perigos da proposta do Governo. Segundo ela, há risco de os empregadores baixarem um trabalhador de posição e salário em certas circunstâncias. Além disso, criticou a proposta de permitir contratos a termo para pessoas que nunca tiveram contrato sem termo, o que, na sua visão, pode perpetuar a precariedade.
No que diz respeito ao Serviço Nacional de Saúde, ambos reconhecem que precisa de reformas, mas que é bastante polarizador no conceito. Gouveia e Melo defende um modelo híbrido, juntando o setor público e privado, mas realça que o Estado deve garantir um SNS de qualidade. Já Catarina Martins pede mais autonomia para médicos, um reforço dos cuidados comunitários e critica o papel dos privados, argumentando que muitas vezes têm lucros elevados sem corresponder ao investimento social.

Inerente á área da defesa, Catarina Martins acusou Gouveia e Melo de ter mudado deposição: recordou comentários dele contra a meta da NATO de 5% do PIB para defesa. Gouveia e Melo, por sua vez, defendeu a necessidade de avaliação prudente sobre esse investimento, apontando para desafios orçamentais e riscos associados. Também enfatizou que Portugal está numa aliança defensiva e que a presença da NATO é crucial para a segurança europeia.

Ambos os candidatos admitiram que, em caso de uma “situação muito grave” ou “limite”, poderiam demitir um governo. Gouveia e Melo disse que só usaria esse poder se um governo extremista tentasse reverter a Constituição na prática dos direitos fundamentais. Catarina Martins, por sua vez, mostrou-se crítica à forma como o atual Presidente usou esse mecanismo e admitiu recorrer a ele apenas em último recurso. Este debate atraiu uma grande audiência: quase 948 mil pessoas assistiram, segundo
dados da Dentsu Media. Esse elevado número de espectadores mostra a importância política do confronto e o interesse público nas Presidenciais.

Podemos concluir que este debate evidenciou, de forma clara, um contraste ideológico profundo. De um lado, uma candidata de esquerda com forte orientação social e crítica a desigualdades; do outro, um ex-militar que enfatiza a estabilidade, a independência e o papel do Estado no reforço da segurança, mas sem abandonar o mercado. Apesar das divergências acentuadas, ambos mostraram compromisso com a Constituição e admitiram usar poderes presidenciais em casos extremos, o que revela que, mesmo com
visões opostas, reconhecem os limites do seu papel institucional. O debate não só reforça a polarização política entre Estado social e liberalismo clássico, como também destaca a tensão entre ideologia partidária e discurso “suprapartidário”.

João Bessa