
A pouco mais de dois meses da eleição do próximo Presidente da República
Portuguesa, penso que será possível fazer uma análise inicial das diferentes
candidaturas que estão a enfeitar o panorama político do nosso país. Se, há dez
anos, havia um candidato que agradava à maioria dos Portugueses – e que,
surgindo sempre com mais de 50% das intenções de voto nas sondagens, acabou
mesmo por vencer -, as actuais eleições apresentam-nos uma realidade
completamente distinta, com a opinião pública fracturada e várias candidaturas
com real potencial para se sagrarem vencedoras. Passo, portanto, a apresentar os
meus pareceres relativamente ao acto eleitoral que se avizinha, resumidos numa
tríade que idealizei: “O Cheio, o Meio e o Feio”.
O “Cheio” é, obviamente, André Ventura. Sendo o mais polemista dos
candidatos, a sua posição nas sondagens tem oscilado entre o segundo e o quarto
lugar, mas a mera presença de Ventura em mais esta eleição apenas comprova que
ele está cheio de si. Em todas as campanhas promovidas pelo CHEGA, das
Legislativas, às Europeias, às Autárquicas e, agora, às Presidenciais, Ventura surge
como figura central e essencial para o sucesso e crescimento do partido. Sem ele
no comando, a extrema-direita Portuguesa não tem nada, mas esta realidade
permite apenas comprovar aquilo que já se sabe: André Ventura é um autocrata de
peito cheio, mas que também já começa a encher a paciência de parte do núcleo
duro do seu partido. Refiro-me a Gabriel Mithá Ribeiro, antigo ideólogo e intelectual
do CHEGA, que recentemente abandonou o partido após a perspicaz descoberta
de que Ventura é “um líder narcísico incurável”. Apesar de tudo, André Ventura
afirmou que “Não desejei ser candidato nestas eleições” e que “Durante os
últimos meses procurei garantir que o CHEGA tinha um candidato à altura das
suas aspirações […]”, mas “Falhei em encontrar essa alternativa”, algo que só
prova que, de facto, não existe concorrência dentro do partido.
Ao “Meio” atribuo vários significados: refere-se aos dois candidatos que,
repetidamente, surgem em segundo e terceiro lugar nas diversas sondagens que
vão sendo divulgadas (logo, o “meio” da amostra que selecionei); ao seu
posicionamento político, num espectro esquerda-direita – António José Seguro no
centro-esquerda e Luís Marques Mendes no centro-direita; e, num tom mais
jocoso, constitui uma maldosa piada com a altura de Marques Mendes. No
entanto, esteconceito de “meio” também tem que ver – e foi esta a minha principal
motivação para a escolha deste termo – com os esforços destes dois proponentes
ao cargo de mais alto magistrado da nação por, nesta campanha eleitoral, negarem
toda uma carreira política e lutarem pelo lugar de “candidato mais central, mais
moderado e mais mediano”.
Do centro-direita para a esquerda vai Luís Marques Mendes, que tentou
adoptar a estratégia do actual Presidente e passar vários anos a fazer comentário
político ao Domingo à noite, numa tentativa de reunir consenso entre o público
Português, algo que, sem o carisma de Marcelo, não se revelou a coisa mais
simples do Mundo, uma vez que nem dentro do próprio PSD é uma figura muito
consensual. Quem o diz é Rui Rio, antigo líder do partido e actual mandatário da
candidatura de Gouveia e Melo, que acusa Marques Mendes de “tacticismo” e falta
de “credibilidade”. No entanto, não é o único, havendo uma facção do partido, na
qual se inclui, por exemplo, o antigo Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, que,
e passo a citar, “não se sente amarrad[a]” à obrigação de apoiar este candidato.
Para apaziguar um pouco os ânimos, e por não encontrar o apoio que
desejava na casa-mãe, Marques Mendes usa a sua experiência política como
principal mote desta campanha, afirmando que “[este] tempo não recomenda
política sem experiência”, para além de piscar o olho ao eleitorado socialista,
quando refere, por exemplo, a propósito do apoio de Nuno Morais Sarmento à sua
candidatura, os seus “muitos apoios, mais à direita ou mais no centroesquerda” com que se vão “fazendo uma candidatura”.
Em sentido contrário, vem António José Seguro, que descreve a sua
candidatura como “suprapartidária”, ou seja, como estando para além dos
partidos, mas tendo em conta as suas intervenções nas últimas semanas,
arriscaria mesmo dizer que é uma candidatura “partidofóbica” ou, mais
especificamente, “partidosociolistofóbica”. Isto porque, após a confirmação do
apoio à sua candidatura por parte do PS – partido onde, vale lembrar, ocupou as
funções de Presidente da JS, secretário-geral, deputado da Assembleia da
República, eurodeputado e Ministro Adjunto -, António José Seguro pareceu pouco
animado e até desvalorizou esta tomada de decisão do seu antigo partido: “Eu
estou muito grato, de um partido fundador da democracia Portuguesa ter
expressado o apoio à minha candidatura. […] Esse apoio é um apoio que se
soma a todos os apoios que, desde há quatro meses, se têm vindo a juntar a
esta candidatura.”
Curiosamente, mesmo José Luís Carneiro, actual secretário geral do Partido Socialista, mostrou pouco ânimo aquando deste anúncio, tendo dito que “Só a resposta do socialismo democrático […] poderá responder às exigências fundamentais dos valores que aqui estamos a defender. E quem
representa esse campo […] é, no actual momento, o António José Seguro.”,
dando espaço à interpretação de que, havendo algum candidato que melhor se
enquadrasse, o PS já não daria o seu apoio a Seguro.
Seguro nega taxativamente que a sua candidatura esteja sequer no espectro
político e ideológico, fazendo ainda questão de reforçar que esta se dirige “a todos
os democratas, a todos os humanistas, a todos os progressistas”, ou seja,
basicamente a toda a gente. Isto leva a que políticos à esquerda e à direita olhem
para o seu modus operandi com desconfiança, como é o caso de António Filipe,
candidato presidencial apoiado pelo PCP, que afirmou, numa entrevista à Agência
Lusa, que “Se o objetivo é desistências a favor de um candidato de esquerda,
eu pergunto: qual é o outro candidato? Tenho muito respeito pelo doutor
António José Seguro […], mas não considero que tenha um posicionamento de
esquerda”.
Para o fim fica o “Feio”, posição especialmente reservada para o Almirante
Gouveia e Melo, mas não pela sua aparência física. A sensação que eu tenho é a de
que Gouveia e Melo levou esta candidatura para a frente – mesmo após ter negado,
várias vezes, a possibilidade de se envolver na vida política, como em 2021, com a
célebre frase “Se isso acontecer, dêem-me uma corda para me enforcar” – com
uma certa ilusão de que poderia ser o próximo General Ramalho Eanes. Mas o
nosso primeiro Presidente democraticamente eleito tinha algo que o Almirante não
tem: sobriedade discursiva, integridade e o respeito do povo Português. Em
verdade, Gouveia e Melo teve o povo Português do seu lado, aquando da sua
exemplar actuação no contexto da pandemia do COVID-19, em que liderou a taskforce responsável pelo plano de vacinação que, de resto, foi um sucesso. Mas é
justamente daqui que surge a designação de “Feio”, porque o que se verificou foi
um fenómeno de “Patinho Feio Invertido”, em que Gouveia e Melo começa como
cisne, mas gradualmente vai-se transformando num estranho e desinteressante
patinho.
Apesar desta grande quebra na sua popularidade – motivada, em grande
parte, pela polémica em que esteve envolvido quando “humilhou” publicamente
11 inferiores hierárquicos que desobedeceram às suas ordens, por questões de
segurança -, Gouveia e Melo continua a ser apontado como o principal candidato e
mais provável vencedor das eleições do ano que vem. No entanto, o seu
posicionamento político pouco claro, as sucessivas tentativas de conciliação dos
diferentes blocos ideológicos em torno da sua figura e a falta de uma estrutura
partidária e de experiência política têm-no feito cair imenso nas sondagens,
passando, por exemplo, de ter 21 pontos percentuais de vantagem em relação a
Marques Mendes, em Março; a estar, neste momento, num empate técnico com as
candidaturas do “Meio”. Começa a ficar claro que os eleitores querem algo mais
que um mero gestor em tempos de crise.
Apenas o tempo conseguirá clarificar o rumo que estas eleições tomarão e,
desta vez, os prognósticos só se conseguem mesmo fazer no final. Num contexto
social e político tão incerto, a ida a uma segunda volta, que tanto se tem vaticinado,
parece mais inevitável que nunca. Mas tudo isso dependerá do desempenho dos
diversos candidatos (não só do Cheio, do Meio e do Feio), e das voltas que a
tômbola eleitoral der… porque, no fim, quem decide o seu destino ainda é mesmo
o povo!
Guilherme Gomes