Caroline e o Mundo Secreto (2009)

“Coraline e o Mundo Secreto” é uma animação em stop motion realizada por Henry Selick, em 2009, baseada na obra homónima de Neil Gaiman. A história centra-se numa menina chamada Coraline Jones, a nossa protagonista, curiosa e aventureira, que acaba de se mudar com os pais para uma nova casa chamada The Pink Palace. No entanto, Coraline e os pais ocupam apenas o andar principal, pois o porão é habitado por duas senhoras idosas, Miss Spink e Miss Forcible, enquanto o sótão pertence a um excêntrico senhor russo, o Sr. Bobinsky. Neste universo existe ainda um rapaz peculiar, Wybie, que oferece a Coraline uma boneca que encontrou no baú da avó, estranhamente idêntica a ela.

Os pais de Coraline passam a maior parte do tempo a trabalhar, negligenciando a filha e não lhe prestando a atenção de que ela tanto precisa. Presos numa rotina cinzenta e apática, acabam por afastar-se emocionalmente dela. Sentindo-se sozinha, Coraline deseja uma vida diferente, mais alegre, colorida e com pais que realmente se importem com ela.

Para o seu espanto, o desejo parece concretizar-se quando esta descobre uma pequena porta na parede da casa, aparentemente sem saída, exceto quando está sozinha. Ao atravessá-la, é levada para um Outro Mundo, uma versão alternativa da sua vida onde tudo parece perfeito: a casa é igual, os vizinhos também, e até os pais estão lá, mas com um detalhe inquietante, todos têm botões no lugar dos olhos. Embora Coraline desconfie do quão estranha é a situação, essa sensação desaparece rapidamente, já que os “Outros Pais” mostram-se carinhosos, atentos e protetores, tudo aquilo que ela sempre quis. Há um detalhe interessante, pois existe um gato neste Outro Mundo que atua como guia e consciência, simbolizando a perceção e a intuição, já que, no fundo, Coraline sabe, no seu interior, que algo está errado, mas não quer acreditar nisso.

Tudo neste novo universo é utópico, demasiado perfeito para ser verdade. As cores intensas dominam o ecrã, tudo é mais vibrante, mais vivo, aparentemente mais feliz. Contudo, rapidamente as coisas tomam outro rumo visto que aquela perfeição não passa de uma ilusão. A Outra Mãe, uma figura predatória, controla todos os que habitam aquele mundo, usando os botões nos olhos com o propósito de manipulação, simbolizando a perda de identidade. Isto serve como metáfora mostrando como o conforto pode esconder o perigo, como as pessoas se deixam seduzir pelo impossível, mesmo sabendo que não é real, e o preço que se paga pela curiosidade excessiva e por se sucumbir às tentações.

Coraline é um filme fascinante porque consegue cativar todos os públicos. É excelente para ver em família, pois combina visuais encantadores, que atraem o público infantil, mas também tem presente uma profundidade psicológica e reflexiva, dirigida ao público adulto, retratando temas como os efeitos da negligência infantil, a busca pela identidade e a importância da coragem. A atmosfera do filme provoca medo e fascínio em simultâneo. A técnica de stop motion confere textura e presença física ao universo, tornando-o quase palpável, mesmo sendo uma animação. A cor tem um papel essencial, sendo o mundo real cinzento e sombrio, saturado pela solidão e pelo tédio das personagens, enquanto o Outro Mundo é repleto de cores intensas, quase perturbadoras, que denunciam que algo está errado logo à primeira vista. Este contraste simboliza a tensão entre o sonho e a ilusão, entre a perfeição ilusória e a imperfeição genuína da realidade.

A narrativa vai muito além da superfície, pois Coraline enfrenta não apenas o Outro Mundo, mas também os seus próprios medos, desejos e limites, tornando-se uma protagonista com quem o espetador se consegue identificar. Cada ação e cada escolha são carregadas designificados simbólicos e psicológicos, tantos que, ainda hoje, o público continua a descobrir pequenos detalhes e easter eggs escondidos.

O filme revela-se uma reflexão sobre o crescimento, a coragem e a valorização da própria realidade. Coraline aprende que a verdadeira coragem não está apenas em escapar do perigo, masem enfrentar o que é sedutor e ilusório, reconhecer o valor da própria vida, mesmo sendo imperfeita, e resistir às soluções fáceis. Assim, o filme funciona como uma metáfora da vida adulta, dos riscos da tentação e da necessidade de distinguir o que é bom demais para ser verdade, aprendendo a dar importância ao que realmente temos.

No fundo, fica a dúvida: será que o Outro Mundo existia de facto, ou era apenas uma projeção da imaginação fértil de Coraline, moldada pela sua solidão e pela negligência dos pais?

Seja como for, neste Halloween, tem “Cuidado com o que desejas”.

Bárbara Botelho