Dragão ao cubo: uma noite de homenagem e afirmação- FC Porto 3-0 Vitória SC

Dragão ao cubo: uma noite de homenagem e afirmação- FC Porto 3-0 Vitória SC


O Estádio do Dragão já respirava vida muito antes de a bola tocar na relva. As portas abriram-se horas antes e, lentamente, as bancadas foram-se tingindo de azul e branco, salpicadas de preto em sinal de luto. Não era uma noite como as outras. Menos de uma semana antes, Jorge Costa — capitão de tantas batalhas, figura maior do balneário e ícone de um certo ADN portista — partira de forma inesperada. A ferida era recente, o vazio profundo, mas havia um jogo para disputar, o primeiro da nova época, e o destino quis que a estreia tivesse de acontecer já com a dor à flor da pele.

As homenagens não ficaram guardadas para o apito final nem confinadas às cerimónias fúnebres dos dias anteriores. Desde que os jogadores começaram o aquecimento, o público deixou claro que esta seria uma noite de memória viva. Uma tarja circular com a imagem de Jorge Costa foi colocada no centro do relvado, enquanto nas bancadas se erguia um mosaico formado por milhares de cartolinas que, em uníssono, escrevia o nome “Jorge Costa”. Os ecrãs gigantes projetavam cortes, festejos e olhares determinados do antigo central, lembrando a todos — novos e velhos — o porquê de o chamarem de “Eterno Capitão”.

Quando as equipas subiram ao relvado, um detalhe unia o onze portista: as camisolas exibiam o número habitual de cada jogador, mas com um pequeno “²” sobreposto, multiplicando simbolicamente cada dorsal pelo “dois” que Jorge Costa usou toda a carreira. No braço, todos traziam uma braçadeira preta e branca, réplica daquela que tantas vezes envolveu os bíceps do capitão.

Do outro lado, o Vitória SC, ciente do momento, respeitava, em parte, em silêncio o cenário, pois, tal como mencionou Rui Orlando na transmissão da Sport TV, “algumas, poucas, insignificantes, vozes daquelas que não chegam ao céu, ouviram-se a romper o minuto se silencio neste momento de homenagem a Jorge Costa.”

Ora, a bola rolou e, logo aos dois minutos, o Dragão viveu o primeiro sobressalto. Tiago Silva apareceu com espaço na área portista e atirou cruzado, a rasar o poste direito de Diogo Costa. A bancada visitante, esperançosa, chegou a levantar-se. Mas nesse mesmo minuto, como planeado, o jogo parou para uma ovação de pé. O estádio inteiro ergueu-se, as palmas ecoaram em ondas e, por instantes, até quem estava dentro das quatro linhas pareceu esquecer a partida. Foi mais do que um minuto de aplausos, mas, isso sim, um minuto de comunhão.

O equilíbrio dos primeiros dez minutos depressa se quebrou. O Vitória perdeu uma bola a meio-campo e o FC Porto acelerou. Pepê abriu da direita para Samu, que avançou a toda a velocidade antes de tentar servir Borja Sainz. O espanhol não recebeu bem, mas a bola sobrou para Pepê, que, de forma serena, picou sobre Charles. Aos 12 minutos, estava feito o 1-0. Na celebração, Pepê correu para o banco, recebeu uma camisola com o nome e o número de Jorge Costa, e ergueu-a diante da bancada. A fotografia desse momento já tinha o peso de um ícone.

A partir daí, o jogo ganhou um único sentido. Froholdt obrigou Charles a defender, Samu viu um golo anulado por fora de jogo de Pepê e, pouco depois, obrigou o guarda-redes vimaranense a nova intervenção. A pressão alta dos dragões estrangulava a construção do Vitória, e o segundo golo parecia inevitável.

Surgiu aos 32 minutos: canto curto, cruzamento perfeito de Alberto Costa e cabeceamento fulminante de Samu. O avançado espanhol correu para o mesmo local da homenagem inicial, fechando o punho e erguendo-o aos céus, como se dedicasse o golo a quem já não está.

O FC Porto não abrandou até ao intervalo. Samu esteve perto do bis em duas ocasiões quase consecutivas, e Pepê tentou a sorte de longe. Só nos instantes finais a equipa de Luís Pinto conseguiu respirar, com Oumar Camara, irreverente, a rematar para defesa segura de Diogo Costa. Mas a ida para os balneários com 2-0 era, no mínimo, o reflexo justo do que se passara em campo.

A segunda parte trouxe menos fulgor, mas não menos controlo. Aos 48 minutos, Gabri Veiga lançou Borja Sainz, que rematou cruzado para defesa difícil de Charles. Pouco depois, Martim Fernandes lesionou-se sozinho e teve de sair de maca, recebendo aplausos de todo o estádio. Essa paragem baixou o ritmo, mas não a intensidade defensiva dos portistas.

O Vitória tentava, sem sucesso, explorar bolas longas nas costas da defesa azul e branca. Farioli aproveitou para mexer na equipa, lançando Dominik Prpic, William Gomes e Stephen Eustáquio. Do lado oposto, Telmo Arcanjo e Nélson Oliveira davam frescura ao ataque, mas raramente conseguiam ameaçar verdadeiramente. Aos 74 minutos, Samu voltou a obrigar Charles a uma defesa apertada, num remate que saiu com selo de golo.

Foi o aviso para o golpe final. Aos 79 minutos, Eustáquio rematou de fora da área, Charles defendeu para a frente e, como um predador silencioso, Samu apareceu no local exato para encostar para o 3-0. O estádio explodiu. Era o segundo do espanhol, a consagração de uma exibição completa, associativa e letal.

Até ao apito final, ainda houve espaço para a estreia de Luuk de Jong, que assistiu Eustáquio para um quarto golo que o VAR anulou por fora de jogo. Mas já ninguém estava preocupado com mais golos. O Dragão sabia que o essencial estava conquistado: três pontos, três golos, nenhum sofrido, e um início de época com a energia certa.

O apito final trouxe, por isso, um misto de emoções. Os jogadores abraçaram-se, alguns olharam para as bancadas como que à procura de um rosto que já não estava lá. A vitória tinha sabor a afirmação, mas também a despedida. Mais do que um jogo, foi um tributo em movimento, um encontro entre a saudade e a ambição. E nesta noite, o Dragão foi, ao mesmo tempo, casa de luto e casa de festa.

                      Homem do jogo:

                     Samu Aghehowa.

Apesar das limitações técnicas que lhe são frequentemente apontadas, a sua importância na ligação com o meio-campo dos dragões foi indiscutível, especialmente pela forma inteligente como se ligou aos médios da equipa. Marcou presença decisiva na jogada que originou o primeiro golo dos azuis e brancos, concluindo com uma finalização perfeita, ainda que em fora de jogo, e, logo a seguir, após conquistar um canto, assinou o segundo tento do FC Porto com um cabeceamento rápido e certeiro. Na segunda parte, o avançado espanhol voltou a faturar, assinando o terceiro golo que fechou a contagem para os dragões.

Texto: Raúl Saraiva

Imagem: @fcporto