Num mundo onde progressivamente torna-se mais raro o intimismo musical, Salvador Sobral e Sílvia Pérez Cruz apresentam um trabalho onde qualquer ouvinte se sente comovido com o mais simples acorde. Este novo álbum chama-se Sílvia & Salvador e, para além de ser quase completamente acústico, dança com a linguagem ao ser cantado em espanhol, catalão, francês, português e inglês.
Os artistas, claros fãs um do outro, colaboraram em vários instantes até ao lançamento deste álbum, como, por exemplo, nos prémios Goya de 2024, onde demonstraram pela primeira vez a vontade de criar um projeto colaborativo. “Quando ouvi, pela primeira vez, a voz de Sílvia Pérez Cruz senti que tinha encontrado a origem do canto. Um mundo completamente novo e, ao mesmo tempo, ancestral abria-se quando as suas cordas vocais vibravam”, afirma Salvador Sobral, dizendo ainda que Sílvia Pérez Cruz, devido à sua relação pura, honesta e genuína com a música, se tinha tornado uma espécie de heroína do cantor: “Dizem que nunca devemos conhecer os nossos heróis, mas ninguém jamais falou em partilhar o palco com eles”.
Felizmente para Sobral, o sentimento é mais que mútuo: “O Salvador tem uma voz de ouro, transparente como ele, capaz de entrelaçar os sonhos com as nuvens, pondo a pele de quem escuta atenta ou a recolher-se para dentro com os graves elásticos que o fazem sorrir e a nós também. Da intimidade mais frágil ao jogo mais partilhado”, partilhou a cantora numa declaração pública.
Acerca do reportório criado entre os dois artistas e os demais colaboradores, a editora Warner Music afirma que “o álbum, despido de artifícios, assenta numa base instrumental sóbria, criada por um trio de músicos que soube acompanhar as vozes com extraordinária sensibilidade: Marta Roma (violoncelo), Dario Barroso (guitarra) e Sebastià Gris (guitarra, banjo, mandolim)”.
Não é a primeira vez que Salvador Sobral recusa artifícios. Logo após ganhar a Eurovisão com a maior quantidade de pontos da história do evento, deixou-nos com as polémicas (mas icónicas) palavras: “Vivemos num mundo de música descartável; música de fast-food sem qualquer conteúdo, e acho que isto pode ser uma vitória para a música, para as pessoas que fazem música que realmente significa alguma coisa… A música não são fogos de artifício, a música é sentimento. Por isso, vamos tentar mudar isso e trazer de volta a música, que é o que realmente importa”. Desde então, parece que o autor tem mantido o sentimento dessa frase, recusando fazer projetos com qualquer tipo de pensamento senão as razões de admirar a Sílvia: a pureza, honestidade e genuinidade.
Este sentimento de demonstração pura e genuína torna-se por vezes quase agressiva na primeira canção do projeto, “Recordarte”. Esta canção consiste numa balada escura e melancólica em que os intérpretes repetem uma e outra vez “No quiero olvidarte” (Não quero esquecer-te), seguido pela repetição incessante de “Recordarte” e, no final, uma mensagem de voz onde duas personagens debatem rapidamente sobre uma “revolução”.
Este sentimento, agressivamente à flor da pele, segue em quase todos os temas apresentados, como é exemplo já na segunda música “Ben poca cosa tens”. Aqui começa a ser explícito o conceito explorado durante o projeto: a viagem sentimental de um casal que, embora apaixonado, não foi “feito para ser”, com a morte eventual da paixão no tema “Muerte Chiquita”.
O álbum acaba com um “choro por Palestina”, uma música quase despida, à base de piano e coro, com a duração de dois minutos e vinte e dois segundos, sem qualquer tipo de letra, mas, mesmo assim, dotada de uma enorme sentimentalidade.

O amor, embora temática recorrente nas mais emblemáticas canções de Salvador Sobral (como no aclamado “Amar pelos dois”), nunca foi explorado com tanta profundidade. Até agora, os álbuns do cantor português têm vindo a explorar temáticas como medos do autor, reflexões sobre a vida e a música, a busca pela autenticidade na música e, claro, experiências pessoais, como aconteceu no álbum “bpm” com músicas como “se de mim precisarem”, onde o autor explora o gosto pela calma dentro da sua vida e como, em contraste com o resto da sociedade, até parece procrastinação; ou em “sem voz”, uma música que explora o facto de o artista, sem a matéria prima (voz), não ser ele mesmo.
Em termos técnicos, este projeto foi produzido por Sílvia Pérez Cruz, Salvador Sobral e Juan Berbin e integralmente gravado no estúdio “Sol de Sants” em Barcelona, cidade para onde o português se mudou para se dedicar a tempo inteiro à confeção do álbum.
Esta experiência sonora foi apresentada pela primeira vez ao vivo no Japão, um mês antes do lançamento oficial, e será acompanhada por uma extensa digressão internacional em países como Brasil, Alemanha, Bélgica, entre outros.
Para ouvintes casuais, é possível escutar os temas em qualquer plataforma digital, em CD ou, a partir do dia 30 de maio, em vinil.