Nem os extraterrestres querem vir para cá

Nem os extraterrestres querem vir para cá

Nem os extraterrestres querem vir para cá! É verdade, nem na hipótese de existirem outros mundos ou outros povos, mais, ou menos, inteligentes, eles quereriam viver em convivência com os humanos.
Com a crueldade pura de um mundo onde a violação ainda é desculpada e deixada em liberdade. Onde o abuso não tem lugar na cadeia e em que os tribunais sentam a vítima no lugar da acusação. Um mundo onde a roupa continua a ser desculpa e o álcool ainda é perdão, onde uma palavra masculina desencadeia um riso dirigido à dignidade de uma mulher. De mulheres, de meninas, de crianças que usavam nada mais que roupas de bebés e mesmo assim não escaparam às mãos nojentas dos homens que lhes tocaram. De crianças hospitalizadas, sem andar e sem coragem de falar, por se sentirem sujas, nojentas e ameaçadas. Fotografias partilhadas em grupos frequentados por pais, professores, avôs, maridos, namorados e membros que integram uma sociedade de piropos disfarçados de elogios. Vídeos gravados e partilhados uma, e outra, e outra vez, vezes e vezes sem conta para todos os telemóveis. Fala-se dos nomes das vítimas e escondem-se as caras dos violadores, agressores, molestadores. Repassa-se, sem fim, a corrente de piadas machistas, misóginas e patriarcais. Gritam-se palavras na rua e apertam-se as buzinas de um carro. “Com aquele vestido, queria o quê?”, mas ela estava de calças largas e sweater. As mulheres escondem-se e encolhem-se cada vez mais dentro do seu próprio corpo. Para que não sintam as mãos e as palavras não lhes fiquem no cérebro. E nem com barulho, manifestações, abaixo-assinados, petições e movimentos o mundo ouve, nem assim o mundo gira. Os séculos passam e a sociedade estagna, no ponto em que continua a magnificar os gritos de burro que, infelizmente, chegam ao céu e além. Só os gritos das milhares de mulheres enfiadas debaixo da terra depois de morrerem às mãos dos homens, de quem se tem medo de proferir o nome, é que ficam abafados pelos seus caixões. Chamam-lhes “acusados” em vez de agressores ou violadores, abusadores. Chamam “possíveis vítimas” temendo sempre a mentira da mulher, e nunca a culpabilidade do homem.
Pois eu prefiro defender uma possível mentirosa a pôr as mãos no fogo por um violador. E, se fosse um extraterrestre, também não queria vir para a terra. Enquanto ser humano, considero fugir.

Verónica Amado