Realizou-se ontem o primeiro debate na antecâmara das legislativas de 18 de maio. O primeiro colocou frente a frente os líderes de duas coligações, Luís Montenegro, da AD, e Paulo Raimundo, da CDU, neste que será o único debate do ex-Primeiro-Ministro com um partido de esquerda, excetuando o PS.
O debate iniciou-se com a visão de cada líder em relação à polémica que envolveu Luís Montenegro e a Spinumviva, a sua empresa familiar. Paulo Raimundo mostrou-se em linha com o que o PCP vem defendendo nas últimas semanas, inclusivamente com a apresentação de uma moção de censura. “Face àquilo que é conhecido, Luís Montenegro, naquele célebre sábado à noite, o que devia ter feito era demitir-se… prestava um grande contributo à democracia”, reiterou Paulo Raimundo a abrir o debate. Luís Montenegro ripostou: “Eu cumpri todas as minhas obrigações declarativas, não escondi nada.”
Esta declaração vem em contraciclo com a manchete do Expresso: “Luís Montenegro prometeu, mas não entregou à PJ faturas da casa de Espinho”, num caso em que a PGR tinha aberto um inquérito que investigava o, à data, apenas líder do PSD.
Luís Montenegro seguiu a sua defesa apontando para o respeito pela vida privada e decisões de carreira que toma, negando algum benefício que alegadamente tinha recebido de empresas privadas enquanto titular de cargos públicos. Talvez com a sondagem da Universidade Católica para a RTP, Antena 1 e Público, indicativa de que mais de metade dos portugueses (51%) responsabilizam o ex-primeiro-ministro pela crise, Montenegro mostrou-se disponível para voltar ao tema e tentar esclarecer as questões que se continuam a levantar.
Comparativamente com os debates passados, Paulo Raimundo entrou mais incisivo e a marcar uma posição reiterada, em comparação com as prestações mais amorfas que teve há um ano.
“O que é que a minha atividade política sofreu do ponto de vista da sua contaminação de eu ter uma atividade profissional?”, atirou Luís Montenegro, e Paulo Raimundo não o deixou sem resposta: “Há uma promiscuidade entre os interesses económicos e a política”, disse Raimundo para encerrar a questão da empresa familiar de Luís Montenegro.
O pivô tentou mudar o foco para a saúde, mas antes, Luís Montenegro abordou as questões económicas e de baixa de impostos, nomeadamente: a baixa no IRS, o aumento de pensões e complemento solidário para idosos, a valorização de carreiras em 17 áreas da função pública. Aqui, Luís Montenegro mantém o estilo que apresentou nos debates de há um ano, mas com mais uma vantagem: um ano de governação que pode propagar e difundir, usando o papel de incumbente para se superiorizar retoricamente. Paulo Raimundo limitou-se a referir o incidente do Mercado do Bolhão, onde o Governo misturou ações governativas com campanha eleitoral, entregando um dossiê que depois foi assinalando.
A questão da saúde começou por focar as PPP (Parcerias Público-Privadas). Luís Montenegro fez a defesa desta visão para a saúde, onde, em caso de necessidade, se recorre aos privados de forma a complementar o SNS (“O serviço público é ao cidadão ou ao Estado”).
A posição do PCP nesta área é conhecida e vai completamente de encontro às ideias dos sociais-democratas. O líder dos comunistas referiu que mais de metade do Orçamento de Estado para a saúde foi “diretamente para quem faz da doença um negócio”. O problema do SNS, para Raimundo, é a falta de profissionais, que seriam captados se os salários desses mesmos profissionais fossem aumentados.
Nesta pasta, o ex-primeiro-ministro conseguiu gabar este ano de governação na área da saúde, nomeadamente ao nível do investimento em construção de hospitais.
Depois da discussão sobre saúde, retornou-se à questão dos impostos e o líder do PCP questionou que efeitos é que a baixa do IRC tinha trazido ao nível do aumento real dos salários, atirando ainda que a baixa do IRS seria o necessário para criar uma rede pública de creches. Luís Montenegro ripostou alegando que esse alívio fiscal permitirá que as empresas invistam e possam melhorar as condições laborais.
Neste momento, o debate tocou em assuntos de proximidade, onde Paulo Raimundo alegou que os empresários não perguntavam a taxa de IRC quando queriam abrir uma empresa, tendo Montenegro respondido que perguntavam e questionavam que empresas já existiam nesse setor. Foi também nesta fase que Paulo Raimundo remeteu para o “dossiê da propaganda” que havia entregado a Luís Montenegro quando se tocou na habitação e no salário mínimo.
“Nós não trocamos armas pela saúde, pelas pensões, pela segurança social…”. Foi assim que Paulo Raimundo abordou a questão do investimento na defesa, opondo-se completamente ao aumento do investimento na área. Luís Montenegro falou da Ucrânia e disse que defender essa nação é da maior urgência (“Nós não estamos a apoiar a guerra, estamos a apoiar os direitos, liberdades e garantias.”).
Foi um frente a frente bastante positivo, que serviu para esclarecer algumas questões, mas que opôs dois candidatos com profundas diferenças ideológicas que chocaram ao longo de meia hora.
Texto: Tiago Santos