O Sporting perdeu frente ao Leipzig por 2-1, na sétima e penúltima jornada da fase de liga da Champions. Os leões sofreram a terceira derrota na prova europeia e mantêm os 10 pontos conquistados. No primeiro embate entre as duas equipas, os alemães levaram a melhor com golos deBenjamin Sesko e Yussuf Poulsen. O golo dos leões foi apontado pelo inevitável Viktor Gyokeres.
Ora, pela primeira vez desde que Rui Borges assumiu o comando do Sporting houve uma semana “limpa” de trabalho em Alcochete e o encontro em Vila do Conde frente ao Rio Ave FC (0-3), na “ressaca” da terceira final consecutiva de taças perdida, mostrou a melhor versão dos leões mesmo num novo sistema e com diferentes nuances de jogo. Foram três, podiam ter sido bem mais.
Agora, 96 horas depois do triunfo que foi gizado com Gyokeres a ser poupado no banco, surgia o segundo desafio desta fase da época: manter o registo apresentado no Campeonato naquela que era também a estreia do técnico na Liga dos Campeões.
Era neste contexto que chegava o encontro na Alemanha frente ao Leipzig, uma equipa que perdeu todos os encontros na Liga dos Campeões ficando sem possibilidades de acesso ao play-off da competição mas que conseguiu recuperar fôlego durante as semanas, encontrando-se dentro da luta pelo top 3 da Bundesliga a cinco pontos do Eintracht Frankfurt e a um do Estugarda.
Uma vitória leonina deixava ainda em aberto a possibilidade de apuramento direto para os oitavos (embora numa conjugação cósmica muito favorável), um empate confirmava o acesso mínimo ao play-off com a receção ao Bolonha da próxima semana a funcionar sobretudo como desafio para alcançar a melhor posição possível no atual formato de liga.
Desde cedo que o Sporting mostrou ao que vinha, sem receio do ambiente que se vivia numa RB Arena sem adeptos leoninos em termos “oficiais” por castigo (de quando em vez era bem audível os cânticos de pessoas afetas aos verde e brancos) e com uma clara mensagem para aproveitar qualquer oportunidade para visar a baliza dos germânicos.
Conrad Harder, de novo titular com Francisco Trincão na frente, levou a ideia mesmo à letra com três tentativas nos dez minutos iniciais ainda que apenas uma enquadrada com o alvo, mas o que se via era uma formação portuguesa mais à vontade em posse e ataque organizado com falhas quando o passe decisivo tinha de entrar no último terço. Já o Leipzig ia “estudando” a melhor forma de chegar à área contrária, tendo só uma tentativa de Loïs Openda à figura de Israel nos minutos iniciais.
E a verdade é que a formação germânica, lá está, tentou perceber, procurou espaços, colocou mais Xavi Simons em jogo e foi letal na primeira oportunidade flagrante de golo: David Raum aproveitou o desposicionamento de Iván Fresneda sem proteção de Geny Catamo na sequência de uma jogada em que foi fazer uma interceção ao meio, Xavi Simons fez um fantástico passe de rutura para o lateral e Sesko só teve de encostar na pequena área para o 1-0, à passagem do minuto 19.
Depois de ter começado com um ligeiro ascendente, o Sporting perdeu-se em campo, ficou sem mão no jogo e foi vendo a formação germânica subir linhas para remeter os leões ao seu meio-campo perante a incapacidade de saída, numa fase que só não teve piores resultados por intervenção do VAR: novo passe a mudar o centro de jogo da direita para a esquerda a encontrar Raum em boa posição, má abordagem de Fresneda ao lance, remate cruzado para o golo mas lance anulado porque Openda, em fora de jogo, teve ação junto do espanhol.
Antes do intervalo, os leões depararam-se com um cenário, infelizmente, familiar. Jeremiah St. Juste vinha numa invulgar série sem lesões, ainda que os registos mostrem que essa disponibilidade só se traduziu na realização de quatro jogos completos. Pois bem, o incomum tornou-se comum: o neerlandês regressou às lesões, dando o lugar a Gonçalo Inácio.
Com o aproximar do descanso, a equipa de Rui Borges lançou-se em ataques rumo à baliza do adversário. Houve alguns lances que quase se podiam considerar oportunidades, mas terminar as jogadas com remates de Fresneda não parecia o método mais eficaz para chegar ao empate. Aos repelões, em consonância com uma equipa com descontinuidades e hesitações, as jogadas foram, invariavelmente, terminando em finalizações bloqueadas, em tiros que encontravam um corpo vestido de vermelho pelo caminho.
No fundo, o Sporting conseguia superar a primeira fase depressão do Leipzig, mas, no último terço, não conseguiacriar real perigo. Já o Leipzig mostrou qualidade a sair em transição. Os leões dispunham de uma primeira fase de construção em 4+1. Assim, como o Leipzig pressionavaem bloco médio alto em 4-4-2 (alternava para um 4-1-3-2 quando Amaadou Haidara saltava na pressão para número 10), o objetivo do Sporting passava muito por atrair baixo a pressão do Leipzig e aproveitar o espaço nas costas e tanto conseguia fazer isso por dentro como pelas alas.
Por dentro, Francisco Trincão baixava (capacidade associativa e facilidade em rodar), combinava com MortenHjulmand (critério no passe vertical) e superavam de forma relativamente fácil a pressão. Na ala esquerda, Geovany Quenda tanto aparecia na largura como por dentro (definição no último passe e agilidade em espaços curtos), enquanto Maxi Araújo aparecia de trás para a frente, a fazer a rutura e contramovimentos. Zeno Debast lateralizava para lançar (visão e técnica no passe).
Porém, a linha defensiva do Leipzig definiu muito bem as zonas de pressão e a ocupação de espaços para não abriresse tal espaço por dentro. Logo, havia sempre superioridade numérica no último terço por parte do Leipzig, pelo que o Sporting tinha dificuldades em entrar no bloco adversário. Além disso, Harder, tal como em Vila do Conde, teve várias más tomadas de decisão, fixando-se demasiado na baliza, sendo que Geny usufrui do mesmo problema, além da má temporização no passe.
Isto não permitia que houvesse fluidez na circulação de bola no último terço, para explorar os três corredores e abrir espaço. Assim, o Leipzig saía, várias vezes, em transição. Haidara tem critério no passe para ligar, Xavi Simons e Baumgartner têm agilidade em espaços curtos e definição no último passe para lançar, Sesko baixava para oferecer apoios (elegância e classe) e Openda faziaataques à profundidade (agressividade nas ruturas). Raum fazia o “overlap” a aparecer de trás para a frente para definir cruzamento (critério e técnica).
Ainda assim, o Sporting até melhorou o seu ataque posicional quando Inácio entrou (classe na saída de bola com passe vertical) e Quenda foi para a direita (irreverência no 1×1 com simulações de corpo).Combinaram melhor e permitiram chegar com mais critério ao meio-campo e baliza adversários.
Na segunda parte, Rui Borges rapidamente mexeu na equipa. Saíram Harder, que continua a rematar mais do que a jogar e a transportar a ansiedade na procura da baliza — três disparos nas primeiras nove vezes em que tocou na bola —, Debast, novamente aposta no meio-campo, e Geny, tendo entrado Hidemasa Morita, Daniel Bragança e Gyokeres.
Já agora, como se percebe, é preciso calma com Debast a médio. Brilhou em Vila do Conde, mas a construir pela esquerda e vendo o campo de frente. Naturalmente, teve mais dificuldade para jogar sob pressão e com a exigência de pressionar/fechar espaços.
As alterações não revolucionaram o jogar coletivo.Contudo, trouxeram Gyokeres. E quando se traz Gyokeres, dificilmente não se traz estragos, no bom sentido da palavra, a favor do Sporting. Foi precisamente isso que aconteceu ao minuto 75.
A bola chegou ao avançado internacional sueco e ocenário era tão favorável ao mesmo como é quando uma leoa deteta uma gazela coxa na savana: havia um predador no seu território, nas condições ideais. A partir dali, só com Willi Orban pela frente, o sueco fez a sua vida em “loop”: correr, tirar a bola da frente do defesa, ganhar-lhe a frente, rematar, marcar.
O Sporting tornava a depender apenas de si, mas, aos 78’, voltou à desvantagem por culpa própria: depois de um lance em que os defesas verde e brancos foram demorando uma eternidade para tirar a bola da zona de perigo, Sesko ganhou de cabeça, Baumgartner fez a assistência e Poulsen foi feliz com um remate defendido por Israel que ressaltou e encaminhou-se para a baliza, com Ricardo Esgaio, tal como em Brugge, a não se livrar das culpas no cartório.
Os leões, que mesmo sem inspiração tiveram algum caudal ofensivo até àquele momento, acusaram o 2-1. Pouco mais atacaram, com exceção de um cabeceamento por cima de Inácio no último lance da partida. Faltou, também, desequilíbrio, desde logo pelas alas, pelas asas, pelos flancos onde há laterais e extremos como não havia com Amorim, parecendo evidente haver carência nessas posições com este desenho de plantel.
Além do mais, a principal lacuna coletiva a apontar a Rui Borges, tendo em conta o/a tempo/qualidade de treino, é o espaço que a equipa concede entre a linha defensiva e a linha média. Além da falta de coordenação entre ambas as linhas, a linha defensiva está muitas vezes debaixo baixa,tendo em conta, até, o perfil dos seus centrais. Encontrar as costas dos médios do Sporting torna-se facílimo para qualquer adversário que tenha essa intenção. Ainda assim, percebe-se que Rui Borges já identificou isto, pelo queparto do princípio de que não está a saber nem conseguircorrigir.
Pela 14.ª vez em 16 visitas à Alemanha, o Sporting perdeu. O Leipzig só somara um triunfo nos derradeiros 10 encontros disputados na Liga dos Campeões, mas maquilhou uma péssima prestação com esta vitória. O Sporting, tal como o SL Benfica, vai para a última jornada com 10 pontos. A receção ao Bolonha, que, nesta edição da Champions, já empatou na Luz (0-0), tudo irá decidir.
Teve uma oportunidade, marcou um golo. O grande avançado esloveno mostrou o porquê de ser um dos nomes na baila do futebol europeu. Fora da zona da área, mostrou-se também muito associativo, mesmo não tendo tido uma eficácia tremenda nas suas ações. Um protótipo de avançado muito interessante e que suscitará, certamente, o interesse de grandes clubes europeus nos próximos tempos.
Texto: Raúl Saraiva
Imagens: X