Novembro.
Parece-me o mês dos torturados, dos artistas, daqueles que pensam demasiado. Há algo nele que penetra nas roupas, um frio miudinho que vai crescendo, que às vezes nos acaricia com raios de sol traiçoeiros. Só novembro sabe o que faz, como se fosse dono de si mesmo
Caminho ao longo da rua, as folhas pisadas como um tapete de tons requintados; não há mais nada para ver, nada que novembro não toque. Setembro é o ano novo, a transição entre o calor das peles suadas e do frio que enrubesce os narizes. Não há outro mês assim, como novembro. Outubro é órfão de mãe e pai; não sabe se quer ser calor, se quer ser frio. Disfarça-se de primavera, e de inverno. Assume-o. Novembro não, atraiçoa-nos com beijos de calor e asfixia-nos os pescoços com cachecóis grossos.
Esconde os seus contornos em nuvens pesadas e descarrega os seus lamentos em chuviscos solitários, seguidos de imprevisíveis ataques de uma alegria maníaca.
À minha volta, não há nada que me remeta para os calores à beira mar, à beira rio, para os longos dias de julho, em que o mundo parece abrandar e estacar por completo. Não se vê a hora de chegar a noite escura e o sol parece estar sempre lá no seu posto, num rasgão de luz e de paz. Sente-se que não existe mais nada para além do verão. A sensação da pele a torrar, com o descuido de nunca aplicar protetor solar, é tristemente substituída por pequenas erupções, pequenas “bolinhas” na pele que fazem
com que o sol da noite parece uma memória longínqua.
Sigo num passo acelerado, sem saber muito bem para onde vou. Não há forma de fugir. Reflito sobre isso também; as pessoas pequenas (e que se sentem assim) têm sempre de compensar o que lhes falta com algo. A altura é pouca, mas o tempo que demoro a ir de um lado para o outro não o pode ser. Daí ter-me instruído e habituado, inconscientemente, a caminhar com um passo acelerado, um passo quase ansioso, como se andasse sempre a fugir de algo, do frio, neste caso. Novembro caminha assim, sem
casa permanente nos meses frios, sem morada assegurada nos meses quentes. Existe ali, e só a si se deve explicações. Ou é livre de amarras, ou bastante solitário.
O cenário é inconstante; veste casaco, despe casaco. Abre guarda chuva, corridas rápidas e braços esticados, com as palmas abertas, a ver se chove. Cobrir os olhos com as mãos, está muito sol! Mas é novembro. Ninguém compreende. É como o bater de um coração, sempre constante, que perde, por momentos, o compasso rítmico quando choca de frente com o beijo frio de dezembro e muda. Mas nunca dura muito, é um romance passageiro. Logo corre para os braços mortiços de outubro, que aquece, ora arrefece. E fica tudo uma tremenda confusão.
Como isto.
Inês Brito