José Afonso – Maior Que O Pensamento

José Afonso – Maior Que O Pensamento

Há 95 anos nascia José Afonso, a voz da revolução.

Os Primeiros Anos

No dia 2 de agosto de 1929, a freguesia da Glória, no concelho de Aveiro, via nascer José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, “O Trovador da Liberdade”.  Com apenas 9 anos de idade já tinha vivido entre Aveiro, Angola, Moçambique e Belmonte. Esta pequena vila da Beira Baixa tinha o tio de José como Presidente da Câmara Municipal, que era adepto assumido do salazarismo e tentou que o sobrinho seguisse os mesmos valores.

Termina o liceu com 19 anos, em 1948, após ter sido reprovado duas vezes. No ano seguinte começa a estudar na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde viria a integrar o Orfeon Académico de Coimbra e a Tuna Académica da Universidade de Coimbra, onde já demonstrava especial habilidade para os Fados de Coimbra.

Em 1953, já com os estudos terminados, José lança o seu primeiro EP enquanto cria o seu primeiro filho recém-nascido e dá explicações e trabalha para o Diário de Coimbra para sustentar a família, que passava por dificuldades económicas. Neste seu primeiro trabalho, José Afonso canta Fados de Coimbra, um disco composto por quatro temas. Nenhuma cópia da edição original do EP chegou aos dias de hoje. Ainda lançaria mais 6 EPs antes de finalmente apresentar o seu primeiro álbum de estúdio, em 1964, Baladas e Canções, que contou com a influência de outros poetas e fadista de renome nacional, como Flávio Rodrigues da Silva, Manuel Alegre, Louzã Henriques e Adriano Correia de Oliveira.

Em 1967 junta-se à resistência democrática, mantendo contactos frequentes com a Liga de Unidade e Ação Revolucionária e o Partido Comunista Português, porém mantendo-se independente de partidos. Ainda neste ano é preso pela PIDE.

A Palavra É Uma Arma

Em 1971 lança um dos álbuns mais simbólicos e importantes da sua carreira, Cantigas do Maio. Produzido pelo também músico revolucionário José Mário Branco, foi gravado na cidade francesa de Herouville, o disco incluía Grândola, Vila Morena, um dos hinos da revolução. A música foi composta em 1964 após um concerto na vila de Grândola, em Setúbal, onde foi tão bem acarinhado pela Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense durante a sua estadia na zona. Gravada em outubro de 1971, com arranjos e produção musical do seu amigo José Mário Branco, inicialmente não havia intenções de fazer dela uma canção de protesto, mas diversas mudanças na letra durante as gravações fizeram das palavras uma arma contra a opressão ditatatorial. Como seria de esperar, desde o seu lançamento que a canção foi censurada pelo Estado Novo. A primeira vez que a canção foi cantada ao vivo foi em Santiago de Compostela, na Galiza, em 1972. Apesar da censura, a Rádio Renascença era a única em Portugal autorizada a passá-la em emissão.

A música ficara famosa principalmente por ter sido o segundo sinal para o início da Revolução de 1974. O primeiro sinal foi a vencedora do Festival da Canção de 1974 E Depois Do Adeus de Paulo de Carvalho que, como não possuía conotações políticas e era uma música muito popular na época, passava desapercebida pela Censura. Originalmente, o segundo sinal era para ter sido a canção de José Afonso Venham Mais Cinco, mas estava banida pela censura e a Rádio Renascença, que era a que estava a ser usada pelos militares, não a podia passar. Mas esta rádio, ao contrário de todas as outras do país, estava excessionalmente autorizada a passar Grândola, Vila Morena, que foi, então, escolhida pelo Movimento das Forças Armadas e começou a tocar às 00h20 da madrugada do dia 25 de abril. Com este sinal, os militares partiram de Santarém rumo a Lisboa.

Pós-25 de Abril

Após o 25 de Abril, José continuou a cantar, com vários outros albúns editados, e com uma vida política ativa, apoiando Otelo Saraiva de Carvalho nas eleições presidenciais de 1976 e Maria de Lurdes Pintassilgo nas presidenciais de 1986.

Os seus últimos concertos foram em 1983 nos coliseus de Lisboa, a 29 de janeiro, e do Porto, a 25 de maio. O concerto em Lisboa foi gravado e nasceu, assim, o álbum Ao Vivo no Coliseu, lançado pela primeira vez nesse ano e relançado mais recentemente em maio de 2024.

Faleceu a 23 de fevereiro de 1987, aos 57 anos, no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, vítima de Esclerose Lateral Amiotrófica. Cerca de 20 mil pessoas estiveram presentes no seu funeral para homenagear uma das maiores figuras da música portuguesa.

Apesar de ser reconhecido pelo nome artístico Zeca Afonso, este nunca fora utilizado pelo artista, usando sempre José Afonso ou raramente Esoj Osnofa, um anagrama utilizado pelos jornais para fugir à Censura.

Ao longo de mais de 25 anos de carreira, foram editados 14 albúns de estúdio, 2 albúns ao vivo, 25 EPs e 12 singles.

Texto: Miguel Vinagreiro

Imagem: Tiago Santos