Síndrome da criança primogénita deslocada

Síndrome da criança primogénita deslocada

Sabes quando és a única criança em casa e, de repente, nasce um ser que muda tudo? Não és ê único que acha que odiava ê irmane. Vem perceber melhor…

A “criança deslocada” é aquela que, na infância, teve uma vinculação adequada com es cuidadores que diminuiu subitamente por desvio da atenção para outros objetos, e que experimenta esta redução com frustração intensa. Esta reação deslocada é considerada como uma forma de “separação” (Bowlby, 1961). Uma vez que esta situação é frequentemente produzida pelo nascimento de irmanes mais noves, a síndrome é associada a uma “reação deslocada da criança primogénita”. A entrada de une nove irmane pode ser uma fonte importante de mudanças repentinas no comportamento des cuidadores, devido à mudança da estrutura familiar (Greenbaum, 1962; Silva & Lucas, 2020). Estas mudanças foram principalmente estudadas em relação à mãe, que apresenta um aumento de confrontação, diminuição do interesse e da sensibilidade materna durante conversas e brincadeiras com ê primogénite, bem como o acrescento de restrições e proibições, desde a fase de gestação. A mãe foca a atenção nas necessidades dê bebé, o que leva a cansaço e consequente diminuição da energia para as atividades com ê primogénite (Legg et al., 1974; Lopes et al., 2009), potenciando um declínio da vinculação segura filhe primogénite-mãe (Oliveira & Lopes, 2010). Como consequência ê filhe mais velhe desenvolve sintomas como stress, problemas de sono, alterações dos hábitos alimentares e de higiene, maior irritabilidade com es cuidadores e ê irmane e muitas vezes uma regressão de comportamentos, voltando a adotar atitudes infantis que já tinha desaprendido (falar à “bebé”, querer mais colo ou voltar a dormir acompanhade), na esperança de recuperar a atenção des familiares (Oliveira & Lopes, 2010). No insucesso dessa tentativa, verifica-se um afastamento retratado pelo aumento da independência (como brincar, comer e vestir-se sozinhe), muitas vezes associado à maturação precoce da criança (Lopes et al., 2009). 

Nestes casos, o que podem es cuidadores fazer? Nós explicamos. A entrada de um novo membro na família reflete mudanças em todes. Es cuidadores precisam de se adaptar à nova jornada de parentalidade, conciliar o cuidado das duas crianças e trabalhar a aceitação de nove irmane pele primogénite, lidando com a frustração de filhe mais velhe (Walz & Rich, 1983). O desenvolvimento dos sintomas nes filhes depende da capacidade des progenitores de reorganizar a nova realidade e do suporte dado ale filhe, bem como das características adquiridas antes do nascimento da criança. O “processo de adaptação de primogénite está intimamente relacionado às interações familiares anteriores” (Oliveira & Lopes, 2010), sendo crucial a existência de uma rede de apoio, estrutura socioeconómica e a satisfação com essa estrutura para a diminuição das reações negativas na relação filhe-mãe (Silva & Lucas, 2020). Segundo Oliveira & Lopes (2010), crianças em idade pré-escolar apresentam também maior dificuldade para adaptar-se ao nascimento de irmane por estarem num estágio precoce de desenvolvimento cognitivo, emocional e social, tendo pouca habilidade para gerir o stress, tornando-se ainda mais importante a participação des cuidadores neste processo. 

Para readaptar ê irmane mais velhe à nova realidade, incluir ê filhe mais velhe em algumas tarefas com ê bebé permite criar uma ligação entre elus (Oliveira & Lopes, 2010). Compreender, valorizar e ajudar a criança a perceber o que está a sentir; manter momentos de exclusividade com elu (brincar com a criança, por exemplo) (Almeida, n.d.) e preservar rotinas diárias de filhe mais velhe permite também diminuir o sentimento de exclusão e substituição (Kramer & Ramsburg, 2002). 

Cada criança responde à chegada de irmane mais nove de forma diferente, no entanto, é possível dizer que a ordem des filhes pode descrever a personalidade que vão desenvolver? Alguns estudos acreditam que sim. Mesmo que não exista muita literatura sobre a influência da ordem de nascença na personalidade, podem existir algumas características geralmente associadas a irmanes mais velhes: ter um sentido de responsabilidade enraizado; fazer um esforço para atingir a perfeição; sentir-se obrigade a satisfazer as expectativas das pessoas, particularmente des cuidadores; geralmente descrite como alguém que deve seguir regras e bem comportade; ambiciose e com grande capacidade de realização; alguém passível de ter uma personalidade que inclui competitividade e impaciência, frequentemente atraíde para papéis de liderança (Wisner, 2024).

Se tens ou és ê irmane mais velhe fica a saber que este é um processo natural! Apesar de não existir consenso na literatura sobre as implicações emocionais da chegada de une nove filhe, a oscilação entre a regressão de comportamentos e o desenvolvimento de independência não necessariamente representam resultados negativos para a criança, podendo contribuir inclusive para o desenvolvimento de novas capacidades quando a resposta des cuidadores é favorável (Oliveira & Lopes, 2010).

Referências bibliográficas

Almeida, M. S. (n.d.). De filho único a irmão mais velho. Casa de saúde da Boavista. https://www.csaudeboavista.com/de-filho-unico-a-irmao-mais-velho/ 

Bowlby, J. (1961). Separation anxiety: A critical review of the literature. Journal of Child Psychology & Psychiatry, 1, 251–269. https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.1960.tb01999.x

Greenbaum, M. (1962). The displaced child syndrome. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 3(2), 93-100. https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.1962.tb02043.x

Kramer, L., & Ramsburg, D. (2002). Advice given to parents on welcoming a second child: A critical review. Family Relations: An Interdisciplinary Journal of Applied Family Studies, 51(1), 2–14. https://doi.org/10.1111/j.1741-3729.2002.00002.x

Legg, C.; Sherick, I.; Wadland, W. (1974). Reaction of pre-school children to the birth of a sibling. Child Psychiatry and Human Development, 5(1), 233-261. http://dx.doi.org/10.1007/BF01441311 

Lopes, R. C. S., Vivian, A. G., Oliveira D. S., Silva, C., Piccinini, C. A. & Tudge, J. (2009). “Quando eles crescem, eles voam”: Percepções e sentimentos maternos frente ao desenvolvimento infantil aos 18 – 20 meses. Psicologia em Estudo, 14(2), 221-232. https://www.scielo.br/j/pe/a/5WrPmBVyY6kdwjnMJppmBxy/?format=pdf&lang=pt 

Oliveira, D. S., & Lopes, R. C. S. (2010). Implicações emocionais da chegada de um irmão para o primogênito: Uma revisão da literatura. Psicologia em Estudo, 15(1), 97-106. https://www.scielo.br/j/pe/a/LxtyhKDZjrcZv8qs5GpPNmp/?format=pdf&lang=pt

Silva, E. P., & Lucas, M. G. (2020). Relação entre irmãos: A percepção do primogênito. Pensando Familias, 24(1), 144-159. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000100011&lng=pt&tlng=pt

Walz, B. L. & Rich, O. J. (1983). Maternal tasks of taking-on a second child in the postpartum period. Maternal-child Nursing Journal, 12(3), 185-216. https://psycnet.apa.org/record/1984-17630-001 

Wisner, W. (2024, April 1). Understanding oldest child syndrome and how it shapes childhood development. Very Well Mind. https://www.verywellmind.com/how-oldest-child-syndrome-shapes-childhood-development-7866816

NUPSI

Imagem: Joaquim Duarte