50 anos após a liberdade conquistada no 25 de abril de 1974, as homenagens e as lembranças do que foi e de quem pela liberdade deu corpo e alma marcam presença assídua e crescente com o chegar do dia. E eis que, em plenas celebrações da data na Assembleia da República, há quem abandone o hemiciclo. Sejam os 50 anos do 25 de novembro e a história será outra.
Portanto, o 25 de novembro de 1975 é uma tentativa falhada de golpe de Estado para impor um governo comunista com o apoio soviético, certo? Exceto que nem por isso. Polémico por natureza, o 25 de novembro é o culminar de ânimos e desânimos causados tanto pela esquerda como pela direita: Maioria Silenciosa de ‘74, Verão Quente de ‘75, descontentamento e desunião dentro das Forças Armadas portuguesas, a forte influência militar no panorama político português pós-25 de abril, ameaças da esquerda militar (associada ao PCP) e ameaças da direita (já se fala no 11 de março), greves, manifestações, ataques à bomba contra sedes políticas e diversas movimentações de bastidores para se retirar de lugares de poder figuras da esquerda tais como Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Gonçalves. E assim tivemos como protagonistas os Moderados de Ramalho Eanes e os Sublevados da Base Escola de Tropas Paraquedistas, levando ao fim do PREC e da COPCON e ao início da estabilização da democracia representativa portuguesa. Está assim mais ou menos percebido o contexto?
Sendo assim, qual o meu problema com isto, perguntais vós? O meu problema com isto é que o discurso sobre o 25 de novembro tem aumentado por mais nenhum motivo que puro populismo polarizante da direita que cada vez se esconde menos atrás da fachada da moderação. É incompreensível que – primeiro – se celebre um momento de divisão nacional que nem é fielmente retratado por quem o clama e ainda que – segundo – tais apelos venham na altura de um dos dias mais importantes e de efetiva união do país! A consternação de grupos à direita política e civil portuguesa perante as celebrações da queda de um regime ditatorial sangrento, corporativista e elitista, encabeçada por alguém que é agora um genuíno urinol, deveria ser entendida não como um exemplo da liberdade de expressão mas sim como um aviso aos perigos da libertinagem e da tolerância para com os intolerantes, tal como rege o Paradoxo da Tolerância de Karl Popper.
Efetivamente, o 25 de novembro foi muito importante; mas não como fazem parecer. Foi importante pois acalmou os ânimos ideológicos que ferviam na altura, levou ao enterro de associações entre grupos militares/radicais e partidos políticos e, como disse Ramalho Eanes, “reassumiu esse compromisso original” da intenção democrática do 25 de abril. Além disso, retirou ainda de vista pensamentos de futuras figuras autoritárias, pois tentativas delas existiram no pós-25 de abril e surgiram – surpresa, surpresa – à direita! Se o tal objetivo do 25 de novembro é comemorar a resistência a uma mudança de regime, porque não comemorar ainda o 11 de março de ‘75, a tentativa falhada de golpe liderada pelo general Spínola que visava a sua reposição enquanto Presidente da República e ainda remover de Portugal a suposta Ameaça Vermelha que o PCP, a extrema-esquerda e a esquerda militar representavam? Isto já para não falar que Spínola rescinde da posição presidencial ainda em 1974 precisamente por não conseguir os apoios necessários para focar em si mais poderes, sendo substituído pelo general Costa Gomes – um dos principais responsáveis pela resolução pacífica e democrática do 25 de novembro de 1975, dada a muito real possibilidade de guerra civil.
Claro que homenagear uma tentativa falhada não fará muito sentido, principalmente uma instigada pela inexistente Matança da Páscoa – que se suspeita ter sido plantada por serviços de inteligência estrangeiros. Mas é aqui que se encontra o cerne da questão: não precisa de fazer sentido, apenas precisa de ser sentido. Tanto a direita como a esquerda são mutuamente denegridas, sempre foram e sempre o serão. Mas o que se sente mais não é a crescente ameaça fascista mas sim o boneco de palha comunista, já que quatro deputados extremistas são definitivamente mais perigosos que 50 extremistas opostos.
É estranho dizer isto mas o 25 de novembro está a ser instrumentalizado pela direita extremista portuguesa como um grito de violência, tornando-se um verdadeiro dogwhistle. Os que mais clamam pela preservação de símbolos nacionais são quem mais facilmente os atira à pira do poder. É para isto que o 25 de novembro serve para esses energúmenos. Engana-se quem pensa que as referências ao 25 de novembro são em prol da democracia. O dia, esse sim, foi uma prova de verdadeira democracia; uma democracia que se aparenta cada vez mais fugida de Portugal e do mundo.
Joaquim Duarte