O mundo continua em movimento, mas um dos únicos temas que sobressai na atualidade é a covid-19. Os média ocupam as suas agendas com a pandemia e consequentemente, mal se ouve falar da situação desastrosa que decorre na Polónia, onde os direitos pelos quais as mulheres têm lutado século após século estão a ser-lhes retirados.
O Tribunal Constitucional polaco considerou que a interrupção da gravidez em caso de malformação fetal é inconstitucional. À partida parece um absurdo, mas sim estamos a falar de um país europeu em pleno século XXI. A Polónia sempre foi um dos países da Europa com uma das mais rígidas regras contra o aborto, no entanto, decidiu ir ainda mais longe e endurecer ridiculamente essas regras, limitando os motivos pelos quais se pode abortar.
Quando o partido populista Lei e Justiça (PiS) alcançou a maioria absoluta em 2019, muitas das liberdades individuais têm sido postas em causa, contudo as mulheres não se deixam oprimir e milhares de pessoas têm saído à rua invocando gritos de revolta contra um governo que caminha em direção ao autoritarismo. Devido à pressão exercida pelos protestos, o governo adiou a implementação da lei, no entanto, a possibilidade desta proibição não foi descartada.
Num país onde o governo quer acabar com a educação sexual, num país onde aceder a métodos contracetivos gratuitos é extremamente complicado, e onde os apoios para pais de crianças com deficiência são escassos, aplicar uma lei destas é inconcebível. Esta lei implica que as mulheres tenham, que dar à luz um nado morto, ou que nasçam crianças com anomalias que as impeça de ter uma vida digna. Por muito trágico que seja, a verdade é que ninguém se demonstra importar com o sofrimento que isso poderá trazer, não só à mulher, como à família.
Esta lei não tem o direito de incumbir uma sensação de impotência às mulheres. Para além de ser desprezada pelo governo, a mulher é igualmente desprezada pela comunidade médica, uma vez que, da mesma forma que os médicos têm a liberdade de se negarem a realizar um aborto legal, também possuem a liberdade de se negarem a prescrever métodos contracetivos. Nestas decisões está claramente presente a influência exercida pela igreja católica no Estado e na sociedade polaca e, enquanto não assistirmos a uma diminuição dessa influência, os direitos humanos nunca serão conquistados de forma plena e iremos continuar a ter estas leis absurdas e retrogradas. O mundo encontra-se numa ânsia constante pela evolução e desenvolvimento, contudo essa evolução só tem vindo a abranger determinados assuntos, no que diz respeito aos direitos humanos parece que nos estamos a afundar num progressivo retrocesso.
No ano passado, 1.074 dos 1.100 abortos feitos na Polónia deveram-se a malformações do feto, estes valores demonstram evidentemente que esta lei vai anular o motivo predominante pela qual se realiza uma interrupção voluntária da gravidez no país. Sendo assim, vão restar três opções às mulheres polacas: continuar com a gravidez mesmo que seja contra a sua vontade; recorrer a um aborto ilegal que poderá acabar com a sua vida, ou em último recurso deslocar-se a um país vizinho. Deparamo-nos então com opções inviáveis, que acentuam a desigualdade de classes, tendo em conta que apenas as mulheres com poder económico poderiam optar pela terceira opção.
Desta forma é importante perceber o impacto que este atentado aos direitos humanos pode ter sob o resto do mundo. Vamos esquecer a frase comum “isto só acontece aos outros”, uma vez que estamos a falar de um país europeu, de um país democrata tal como o nosso. Se isto pode acontecer na Polónia, pode acontecer em qualquer país europeu. Lutar pelos direitos da mulher não deveria ser, em 2020, uma preocupação social, e muito menos, uma gravidez deveria representar um perigo para o sexo feminino.
Mariana Fontes