A cortina da época 2017/2018 desceu e é tempo de fazer um balanço da excelente caminhada feita pelos Valentes Transmontanos na I Liga. O Grupo Desportivo de Chaves foi, sem dúvida, uma das equipas que saiu de cena com mais estilo e classe. Essas foram palavras que acompanharam o clube ao longo de toda a época, mas estilo sem resultados de pouco serve. No entanto, este GD Chaves conseguiu conjugar ambas as coisas, não só dentro das quatro linhas, mas (e melhor ainda) também fora do terreno de jogo, algo pouco comum no nosso futebol. Só por isso já é motivo de destaque e de enaltecer.
Desengane-se quem pensa que esta caminhada foi um “mar de rosas”. Os flavienses fizeram uma pré-temporada consistente para assimilar as novas ideias de jogo, tal como confessou Luís Castro, mas quando começaram os jogos “a sério” a equipa vacilou, e de que maneira. Conclusão: em cinco jornadas disputadas, o emblema transmontano tinha apenas um ponto, estava no último lugar da tabela e tinha a despromoção ali ao lado. Os resultados não apareciam e pairaram vários fantasmas sobre o clube logo no início de época. Duvidou-se do rumo que a equipa estava a tomar, os adeptos estavam descontentes e o lugar do técnico era posto em causa (algo habitual em Portugal ao mínimo alarme de maus resultados). Porém, a estrutura do clube flaviense, de forma absolutamente meritória, não cedeu nem um palmo em relação ao projeto que estava definido e foi em frente, mantendo toda a confiança no treinador e na sua equipa e, agora no fim da temporada, colhem-se os frutos e os resultados estão à vista. Foi de salientar um sentido estético de jogo vincado e arrojado, em comunhão com um honroso sexto lugar na tabela e um novo recorde de pontos (47) do clube transmontano no principal escalão do futebol português. Quanto não vale ter um verdadeiro projeto, bem delineado a curto e médio prazo, num clube desportivo, não é?
Para além do futebol envolvente praticado em Trás-os-Montes (já lá vamos), gostaria de explanar o papel (de “grande”) que o emblema transmontano assumiu, essencialmente, ao nível de comunicação. Irrepreensível, é a palavra que melhor o descreve. Uma época marcada por todo tipo de “lixo comunicacional” (digamos assim, para não me alongar no que não interessa) e os flavienses foram dos poucos emblemas que com um trato e uma mensagem transversal a todo o clube e, mais importante, com atitudes e ações concretas defendeu e protegeu sempre o futebol nacional. Um discurso comum em prol do futebol e do desporto, pelos seus valores e ideais que parecem perdidos, repudiando falar sobre arbitragens, por exemplo, ou sobre qualquer fator externo ou alheio ao qual a comunicação social prefere dar “tempo de antena” privilegiado. A consonância total da mensagem transmitida com as ações levadas a cabo pela instituição, pautadas sempre por marcar a diferença e elevar o futebol do charco de lama em que está submerso. Esta forma de estar é algo que orgulha qualquer amante do desporto-rei e não pode nem deve passar em claro.
Voltando ao relvado, o GD Chaves deixou também a sua marca graças ao perfume do seu futebol no campeonato deste ano, um futebol sobejamente elogiado em território nacional e até fora de portas. Luís Castro foi o grande responsável pelo sucesso atingido, não só pelos resultados, mas também pelo futebol apoiado, inteligente e técnico praticado em Trás-os-Montes. O agora ex-técnico dos flavienses trouxe uma proposta de jogo particular, ofensiva e focada no ataque posicional, mas competente também em todas as outras fases do jogo e assente num habitual 4-3-3 ao longo de toda a época. Mesmo com um início titubeante, Luís Castro não abdicou das suas ideias, ajustou algumas nuances e demonstrou que resultados e futebol positivo são compatíveis. Na ideia de jogo do técnico era imperativo que todos os jogadores se sentissem confortáveis com a bola, os centrais saíam a jogar curto, os médios pressionavam incessantemente e chegavam à área adversária de forma frequente, os extremos faziam movimentos interiores constantes para criar várias oportunidades e deixavam os corredores laterais livres para a profundidade dos laterais, tudo isto feito com grande assertividade, fluidez e dinâmica. Assim, o futebol resultante só podia ser vistoso e entusiasmante. Para além disso, a filosofia de jogo flaviense pautou-se por vários princípios ao longo da época. Baseado, em traços gerais, na superior organização defensiva de todas as linhas da equipa, na ocupação eficaz dos espaços e quando em posse, o ataque iniciava-se de forma curta, os apoios sucediam-se, a bola e os jogadores progrediam todos juntos com uma posse de bola envolvente e com sucessivas trocas do centro de jogo. Esta forma de jogar recolheu muitos elogios, seduziu e entusiasmou os adeptos, não só os do GD Chaves, como todos os apaixonados pelo jogo. Todo este contexto e o trabalho efetuado ao longo de todo o campeonato proporcionaram uma valorização do coletivo acima da média e potencializaram vários jogadores a nível individual, o maior exemplo sendo, talvez, Matheus Pereira. O talentoso extremo rubricou uma época em crescendo e acrescentou à sua imprevisibilidade técnica os timings corretos para as suas ações, projetando-se como um valor seguro no futebol nacional. Luís Castro destaca-se ainda por outras razões, para além dos conhecimentos ao nível do jogo, é um verdadeiro senhor dentro do mundo do futebol. Aliou ao jogo positivo um discurso nobre, transparente, sempre assertivo e extremamente enriquecedor, acrescentando sempre algo relevante ao debate sobre a atualidade do futebol português. Todas essas características do seu discurso e da sua forma de estar no futebol estão perfeitamente refletidas no jogar da formação transmontana em 2017/18, uma identidade que foi transversal a todo o clube.
O GD Chaves foi uma equipa que deslumbrou Portugal pela sua forma arrojada de jogar, mas que também deixou a sua marca pela forma saudável de estar no futebol português. O futebol nacional precisa de mais equipas assim. Como apaixonado por futebol, só há uma coisa a dizer: Obrigado Grupo Desportivo de Chaves, foi um prazer!
O futebol é mais do que números, mas estas estatísticas ajudam a explicar o excelente campeonato do GD Chaves:
6.º lugar |
Segunda melhor classificação de sempre na I Liga |
47 pontos |
Recorde de pontos do clube na I Liga |
8 jogos sem perder |
Igualada a melhor série de jogos sem perder na I Liga |
7 vitórias fora |
Recorde do clube na I Liga |
47 golos |
Sexto melhor ataque da I Liga em 17/18 |
81,7% por jogo |
Equipa com melhor média de eficácia de passe, por jogo em 17/18 |
13,7 por jogo |
Equipa com média mais baixa de faltas por jogo em 17/18 |
57 amarelos |
Equipa com menos amarelos na I Liga em 17/18 |
Xavier Costa